A Teoria dos Cisnes Negros

Um resumo das ideias poderosas de Cisnes Negros, popularizadas pelo pensador libanês Nassim Taleb. Cisnes Negros são eventos de baixa probabilidade, porém alto impacto.

São duas partes. Uma com as definições, e a segunda com ações que devemos tomar.


A Teoria dos Cisnes Negros – Parte 1

Vivemos num mundo em que não conhecemos. Esta é a premissa básica da teoria dos Cisnes Negros, popularizada pelo pensador contemporâneo Nassim Nicholas Taleb. Ele trabalhou por muito tempo como trader no mercado financeiro, e neste ramo, viu várias pessoas fazerem fortunas espetaculares para tudo virar pó em alguns dias.

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Cisnes Negros são eventos de baixa probabilidade, mas impacto extremamente elevado. É um outlier difícil de acontecer, mas que pode ocorrer um dia, e, se ocorrer, terá efeitos catastróficos.

Esta é a definição, mas não o problema real. O grande problema é que o ser humano tende a subestimar a existência de Cisnes Negros. Uma das razões é que, por serem tão raros, alguns desses eventos nunca ocorreram na história. E, mesmo nos casos em que ocorreram, rapidamente o conhecimento humano se adapta para mostrar que o evento era previsível, não era tão aleatório assim. É o que Taleb chama de “falácia narrativa”. Um exemplo são os economistas “profetas” que afirmaram que “era evidente que a crise de 2008 iria ocorrer, devido aos riscos dos títulos sub-prime”. Tudo isso a posteriori, é claro.

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O termo Cisne Negro remete a uma história. No séc XVII pensava-se que todos os cisnes fossem brancos. Por mais cisnes que fossem vistos, eles eram todos brancos. Até que, na Austrália, foi descoberto o primeiro cisne negro. Apesar de milhares de anos de observações de cisnes brancos, bastou um único evento de cisne negro para derrubar a hipótese de que “todos os cisnes são brancos”. Este termo foi criado pelo filósofo inglês David Hume, nos anos 1700, justamente para demonstrar o “Problema da Indução”, ou seja, a fraqueza do nosso processo de raciocínio indutivo.


Não-linearidade do mundo

O mundo é não-linear.  A lei de potências governa o mundo, não a curva gaussiana de probabilidade normal.

Vale a pena pontuar alguns casos de não-linearidade histórica:  os ataques terroristas de 11/09/2001, o surgimento do Google, a crise financeira de 2008, o surgimento da internet,  o tsunami de 2004 na Indonésia. Nem a internet, nem o Google, foram previstos pelos livros de ficção científica, nem pelos acadêmicos e executivos.

Recentemente, o desastre de Brumadinho pode ser considerado um Cisne Negro, pelos habitantes da região. Vide post específico: https://ideiasesquecidas.com/2019/01/25/cisnes-negros-e-gestao-de-riscos/

Os ataques de 11/09 são um caso bastante ilustrativo. Foi algo completamente imprevisto, deixando o mundo inteiro em choque, e mudando completamente o rumo da história. O mundo ficou paranoico com o terrorismo. Dificilmente as guerras posteriores no Iraque e no Afeganistão teriam justificativa não fosse o combate ao terror.

A história é como uma caixa-preta. Conhecemos apenas os eventos da história, mas não os fatores que causaram o mesmo. Temos apenas a interpretação de historiadores, que é feita a posteriori e a partir de um ponto de vista subjetivo, não conhecemos os reais geradores dos eventos. Os eventos importantes são não-lineares. A história não rasteja, ela anda aos pulos. Entretanto, agimos como se fosse possível prever o curso da história, e pior ainda, mudá-lo.

Apesar de nossos avanços tecnológicos, ou talvez por causa deles, o futuro será governado cada vez mais por eventos extremos.


O desconhecido desconhecido

Há fatos que conhecemos, que conhecemos que desconhecemos, e os que desconhecemos que desconhecemos, e é neste domínio em que somos surpreendidos pelos cisnes negros.

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A ciência, os acadêmicos e os executivos das empresas tendem a focar no que conhecemos, e passar a falsa impressão de que não há fatos que desconhecemos que desconhecemos. Todas as soluções caem em alguma categoria dentro do conhecimento existente. É como aquela piada, do bêbado que perdera a chave do carro no meio da rua, mas procurava a mesma debaixo do poste porque era o único lugar que tinha iluminação.

O mundo conhecido, dos acadêmicos e MBAs mundo afora, é o da curva gaussiana. Ela tem erroneamente tem o nome de “curva normal”, indicando que é fenômeno normal do mundo. Mas a curva normal ignora grandes variações, joga fora o desconhecido – ignora o não-linear.  Taleb chama o mundo gaussiano de “Mediocristão”.

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O mundo real é governado pelo não-linear, exponencial, Pareto, é regido por leis de potência e pelo improvável: alguns poucos ficam com tudo, alguns eventos são ordens de magnitude maiores dos que todos os que já ocorreram,  o que desconhecemos é muito maior do que o que conhecemos. Este é o “Extremistão”, em oposição ao “Mediocristão”: o mundo escalável, exponencial, o-vencedor-leva-tudo, onde o resultado é desproporcional ao volume de trabalho, onde pode-se ficar milionário ou falido num instante.

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 O problema do Peru

Um peru é alimentado todos os dias pelo seu dono, por 1000 dias. Baseado em modelos de forecast que extrapolam o passado, ele supõe que o dia 1001 também será um dia feliz, em que será alimentado por um ser humano. Entretanto, o dia 1001 é Natal, e o peru vai para o forno.

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Assim como no problema do peru, no mundo real a mesma mão que alimenta, pode ser a da degola.

Os eventos extremos, por serem muito raros, usualmente não têm histórico. Os modelos matemáticos, como o do Peru, utilizam todos os dados existentes, mas há fatores que não são capturados pelos dados históricos. É impossível ter modelos bons sem informação.


A Teoria dos Cisnes Negros – Parte 2

Como viver num mundo em que não conhecemos?

O passado pode não modelar completamente o futuro, quando estamos no Extremistão.

Não conseguimos extrair informação de onde não existe.

Há três linhas de ação: opções para cisnes negros negativos, aproveitar cisnes negros positivos e diminuir a ocorrência de cisnes negros.


Opções para Cisnes Negros negativos

Aceitar que não podemos prever o futuro implica em tomar medidas de precaução contra cisnes negros negativos: seguros, opções, planos B.

Taleb, por conta de sua formação como trader, explora bastante o uso de opções. Uma opção, no mercado financeiro, é um instrumento que dá o direito, mas não a obrigação, de comprar (ou vender) uma ação, num determinado momento a um determinado preço. Este direito não é de graça, é necessário pagar uma taxa, que na linguagem dos seguros é chamada de prêmio.

O seguro de veículos (ou casa, vida) é uma opção: pagando o prêmio do seguro, tenho a opção de “vender” (recuperar grande parte do valor) o automóvel à seguradora, no caso de problemas. Tenho o direito de fazer isto, mas não a obrigação. Se eu não exercer a opção dentro de um prazo, a seguradora fica com o prêmio.

Um seguro é uma opção de venda. Há no mercado financeiro a operação inversa: uma opção de compra. Posso comprar uma ação a um determinado valor, numa determinada data futura, pagando hoje um prêmio para obter este direito.

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Em suma, ter opções de compra ou de venda, ter seguros para as coisas mais importantes, ter redundâncias, ter um estoque, uma reserva de valor, são formas de precaução contra eventos imprevistos – não podemos prever o futuro, mas nos precaver para o mesmo.

A questão é que o preço do prêmio pode ser caro, e o evento pode nunca ocorrer, então muita gente opta por não ter esses seguros.

Nos dias de hoje, com a busca das empresas em enxugar custos e tornar-se eficiente, com metas de redução de custos em todo lugar, as redundâncias, seguros e estoques têm se tornado cada vez menores. Isto pode gerar um ganho no curto prazo, mas não necessariamente no longo prazo.

Desprezar o seguro porque o prêmio é caro, gerar ganhos de curto prazo em detrimento do longo, é como contar os centavos dentro da variação da curva normal conhecida, ao invés de centenas de dólares da variação de uma curva exponencial desconhecida. É como recolher centavos à frente de um rolo compressor. É como olhar para as folhas das árvores e esquecer da floresta, ou como ficar contando as pulgas e deixar passar o elefante, é pensar pequeno e deixar escapar o grande.

A natureza é um exemplo de organismo resiliente. Os animais e plantas devem se adaptar ao meio ambiente e serem eficientes, mas também devem ser eficazes em sobreviver a longo prazo. Digamos que um mamífero tenha uma adaptação ótima ao ambiente, o que lhe permita viver sem gordura. Entretanto, suponha que esta evolução ocorreu fora de uma época glacial. Quando chegar a próxima era glacial, este mamífero não sobreviverá para deixar seus genes, ao passo que os mamíferos não tão ótimos, porém robustos, terão sobrevivido, gerando os descendentes do mundo atual. A vida evolui segundo esta lógica da via negativa. Não é porque o organismo aprendeu a lição, mas sim porque esses organismos foram eliminados, sobrando, por seleção natural, aqueles que são antifrágeis.


Cisnes Negros positivos e Estratégia Barbell

Para os cisnes negros positivos, a recomendação é a oposta: expor-se ao risco. Muita exploração agressiva, tentativa e erro, participar de festas e conversar com desconhecidos completos, tentar algo que nunca fora feito antes, tentar conversar aleatoriamente com o diretor da empresa. A grande maioria dessas tentativas vai dar em nada, mas um único acerto pode valer todas as tentativas.

Se, por um lado, uma estratégia é a de ter opções, seguros e robustez, por outro lado devemos explorar agressivamente as oportunidades, qual a proporção entre esses? Essa é a estratégia “barbell”, remetendo à imagem de uma barra de pesos: ser extremamente conservador em um extremo (digamos, 90% do investimento em títulos bastante sólidos, renda fixa, ouro) e extremamente agressivo em outro extremo (digamos 10% do investimento em opções de alta volatilidade).

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A pior estratégia é ficar 100% no meio do caminho, nem tão conservador, nem tão agressivo: não há possibilidade de um cisne negro positivo, e também há risco de ser atingido por um cisne negro negativo.

Investidores-anjo não sabem qual a startup que vai realmente dar certo, então tendem a investir um valor pequeno (para o investidor, não para a startup) em várias empresas iniciantes e acompanhar a evolução desta. O capitalismo, por permitir que centenas de milhares de empreendedores criem suas empresas, e principalmente, fracassem, permite que haja espaço para o surgimento de Apples e Microsofts, ao contrário do socialismo – em que a empresa estatal nunca fracassa porque é bancada por recursos públicos.


Ter a pele no jogo

O mundo contemporâneo está ficando cada mais conectado, com pessoas se especializando cada vez mais e empresas cada vez maiores. Isto traz um aumento proporcional na complexidade dos sistemas, e um loop de feedback cada vez mais distante e indireto – as pessoas que tomam as decisões sentem cada vez menos os efeitos dessas decisões, o que faz com que elas não tenham a “pele no jogo”.

As empresas cada vez maiores podem ficar grandes demais para quebrar, exigindo algum socorro governamental quando isto acontece. Na prática, ocorre a privatização dos lucros, mas a socialização dos prejuízos, uma assimetria prejudicial à sociedade como um todo.

E, por serem grandes demais para ir à bancarrota, essas empresas podem tomar ações temerárias, como vender títulos podres a fim de obter ganhos de curto prazo – aumentando o tamanho do evento Cisne Negro – e com isso colocando em risco todo o sistema financeiro mundial.

Taleb é dos que defendem que empresas não podem se tornar “too big to fail” – evitar a complexidade na fonte, ao invés de ter a tarefa impossível de lidar com esta. Ele também é forte defensor da via negativa: simplificar ao invés de complicar, diminuir ao invés de aumentar, pequeno ao invés do gigante, projetos exequíveis e falíveis passo a passo.


Conclusões

Há várias formas de encarar o mundo. Algumas mais platônicas, em que achamos que a ciência pode modelar o mundo, os algoritmos do big data e os sensores da internet das coisas vão nos dar informações melhores do que qualquer outro ser humano, uma crença em alguma instituição, como o estado ou os economistas, ou no comunismo, vão nos dar todas as respostas que precisamos.

Outra forma de ver o mundo é assumir que não há como sabermos de tudo. Sempre haverá mais no céu e na terra do que sonha a nossa vã filosofia.  Há desconhecidos desconhecidos que fogem ao nosso controle. É sábio nos precaver de imprevistos, através de seguros, opções e redundâncias. Ser cético para com a ciência, duvidar das certezas e abraçar a aleatoriedade.

Para explorar oportunidades, exploração agressiva de tentativas na prática (não na teoria), heurísticas, exposição (controlada) aos riscos, em domínios escaláveis (Extremistão).

Em termos de projetos, é melhor ter vários ciclos simples e rápidos de tentativa e erro no mundo real do que por um mega projeto planejado detalhe a detalhe do começo ao fim.

Vivemos em mundo que não conhecemos.

Resumo em uma frase: Não seja o peru.


Vide também:

https://ideiasesquecidas.com/2020/03/09/corona-virus-e-cisnes-negros/

https://ideiasesquecidas.com/2019/01/25/cisnes-negros-e-gestao-de-riscos/

https://ideiasesquecidas.com/2019/05/10/o-que-e-antifragil/

Ter a pele no jogo – novo livro de Nassim Taleb

O intelectual idiota

https://ideiasesquecidas.com/2020/07/18/nassim-taleb-na-expert-xp-2020/


Links

Vale a pena ler os seguintes livros.

A Lógica do Cisne Negro

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Iludidos pelo Acaso

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Antifrágil, coisas que se beneficiam com o caos.

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