As “átomos” que conhecemos não são “á-tomos” de verdade, no sentido original da palavra.

A palavra “átomo” vem do grego, onde “a” significa “não”, e “tomo” significa “divisão”.
O conceito original de átomo deriva das ideias do filósofo grego Demócrito (460 – 370 a.C).

A ideia de Demócrito era mais ou menos assim. Pegue um pedaço de pão e corte no meio com uma faca. Pegue a metade do pão e corte de novo. Continue cortando o pão, infinitamente. O que acontecerá? Será possível continuar cortando ad infinitum, ou seja, a matéria é contínua, ou vai chegar num ponto em que não será mais possível cortar o pão, e o último pedaço será indivisível?
Chame este pedaço de matéria indivisível de átomo. Os átomos existem ou não? É possível fatiar a matéria infinitamente?
Da Grécia antiga ao Ensino Médio
A lição de Química apresenta a solução para o dilema de Demócrito, através dos átomos na Tabela Periódica de elementos: Hidrogênio, Hélio, Carbono e outros.

Esses átomos são os menores blocos construtores do nosso mundo. São como tijolinhos, a partir dos quais todo o resto é construído. Os átomos se juntam em moléculas, como pecinhas de Lego. A água é H20, dois átomos de hidrogênio e um de oxigênio.
Tudo muito legal. A lição seguinte diz que os átomos têm um núcleo, que concentra toda a massa, enquanto os elétrons orbitam ao redor, um modelo que lembra o sistema solar. Além disso, os átomos têm número atômico, são formados por prótons, nêutrons e elétrons, o número de elétrons na última camada é o que dita quantas ligações este átomo vai formar, etc…

Daí, eu levantei a mão e perguntei para o professor de química:
“Professor, se os átomos são feitos de prótons, nêutrons e elétrons, eles são divisíveis em partes menores. Então, os átomos não são átomos no sentido original da palavra. Os átomos de verdade não seriam os prótons, nêutrons e elétrons?”
A resposta foi alguma justificativa incompreensível, mas a mensagem final era clara:
“Cai assim no vestibular. Decore isto e pare de filosofar”.
Dando um fast forward de uns 20 anos, não preciso mais passar no vestibular, portanto, posso filosofar à vontade. O pilar fundamental da ciência é a possibilidade de questionarmos tudo…
A minha opinião é que, apesar de todos os avanços, a questão fundamental de Demócrito continua tão aberta nos dias de hoje quanto esteve há tempos atrás: átomos existem ou a matéria é infinitamente divisível?
Existem mesmo prótons, nêutrons e elétrons?
A descoberta dos prótons, nêutrons e elétrons não se deu no sentido de Demócrito, cortando a matéria com uma faca até chegar nos prótons. Foi por meios indiretos e para justificar resultados de experimentos.
Os cientistas do séc. XIX (como J. Thompson – 1856 – 1940) identificaram que o átomo possui uma partícula com carga elétrica negativa, e chamaram isto de “elétron” (o domínio dos elétrons deu origem à eletricidade).
O átomo como um todo tem carga neutra. Ora, se há uma partícula negativa e o total é neutro, então deve ter outra partícula com carga positiva, para compensar – chamaram esta partícula de “próton”.
Só que apenas prótons e elétrons não fechavam as contas, havia alguma coisa com carga neutra, que tinha massa. Chamaram esta coisa com carga neutra de “nêutron”.
Isto perdurou até a ciência conseguir uma “faca” suficientemente poderosa para cortar o átomo em pedaços e analisar tais pedaços – seja através de reações atômicas, radiação ou colidindo átomos.
Os físicos do séc. XX, com novas ferramentas e novas teorias, como a Física Quântica, colocam que existem as partículas fundamentais, ou elementares. Estas não têm subestrutura, não são compostas por outras partículas, chegando a uma teoria muito mais completa do que apenas rotular como prótons tudo o que tem carga positiva e nêutrons o restante.
Segundo o modelo padrão, temos os quarks, glúons, bósons e outros – vide link para detalhes.

Por exemplo, por este modelo, o elétron continua sendo uma partícula fundamental, mas é um tipo de lépton, que por sua vez é um férmion…

Uma das teorias mais intrigantes da física quântica diz que partículas e ondas são duas facetas da mesma moeda. A luz pode se comportar ora como partícula e ora como onda. Mas não só a luz, outras partículas também têm este comportamento – portanto, essas partículas fundamentais poderiam não ser realmente partículas, mas ondas, ou ser as duas coisas, tanto onda quanto partícula…
A “faca” mais poderosa dos dias atuais é o grande colisor de hádrons (LHC). Este fica na fronteira entre a Suíça e a França, e tem quase 27 km de circunferência.

As partículas são aceleradas em direções opostas, até quase a velocidade da luz, e então é feita a colisão entre elas. Após a colisão, é feita a análise dos pedaços que sobraram, as partículas subatômicas. Obviamente, não é simples detectar e analisar partículas tão pequenas, e mesmo hoje, várias das partículas elementares são apenas teoria, sem confirmação experimental.

Essas partículas elementares são atualmente o mais próximo do conceito de átomo que existe, na ideia original de Demócrito.
Mas quem garante que os cientistas não vão encontrar partículas (ou onduletas) mais fundamentais ainda? Será que uma “faca” ainda mais poderosa, digamos um acelerador de partículas do tamanho da órbita da Terra, não pode continuar cortando os férmions e múons em “pedaços” menores?
Podemos continuar cortando a matéria, infinitamente? O limite inferior seria o comprimento de Planck, da ordem de 10^-35 m?
O limite seria energia pura encapsulada? Mas o que é energia, exatamente?
Há uma corrente de pensamento que diz que a filosofia é inútil por definição. Porque, quando a filosofia se torna útil, ela troca de nome.
O átomo de Demócrito é um exemplo. Saímos da filosofia de Demócrito, onde nada sabíamos, para os sucessivos modelos atômicos da química e física, onde supostamente sabíamos tudo – e construímos os avanços científicos modernos com este conhecimento.
Mas, no final das contas, voltamos à filosofia – o tamanho do “não sei” é incomensuravelmente maior do que o tamanho do “sei”. E a pergunta, qual a menor unidade indivisível da matéria, está tão aberta quanto no tempo de Demócrito.
“Só existem átomos e vazio” – Demócrito.
“Eu poderia estar preso numa casca de noz e me considerar rei do espaço infinito, não fosse pelo fato de ter sonhos perturbadores.” – Hamlet, William Shakespeare.
Links
https://ideiasesquecidas.com/2020/04/03/onde-esta-o-eletron/
https://ideiasesquecidas.com/2020/04/24/a-fisica-de-avengers-endgame-parte-1/
https://hubpages.com/education/democritus
https://www.sprace.org.br/divulgacao/como-funciona-o-lhc
https://minilua.com/como-funciona-grande-colisor-hadrons/
https://pt.wikipedia.org/wiki/Comprimento_de_Planck
https://en.wikipedia.org/wiki/Democritus
https://en.wikipedia.org/wiki/Electron
https://en.wikipedia.org/wiki/Subatomic_particle
https://en.wikipedia.org/wiki/CERN
Pingback: Sobre átomos e o vazio -
Republicou isso em Computação e Informação Quânticae comentado:
Sobre átomos, vazio, átomos e física quântica.
CurtirCurtir
Pingback: O interferômetro de Mach-Zender – Computação e Informação Quântica