Um aviso aos turistas: ninguém aceita cartão de crédito na China!
Fui à China, todo confiante que os meus cartões Visa e Mastercard seriam aceitos em muitos lugares. Qual nada. O mesmo vale para outros cartões americanos, Amex, Dinner’s club.
Primeiro, quem aceita cartão de crédito: Os hotéis aceitam. Grandes lojas, idem. Alguns restaurantes. Mas a chance de ficar na mão é enorme!
O comércio, em geral, não aceita cartão. O táxi não aceita. Restaurantes, em geral, não aceitam, mesmo em cidades gigantescas como Beijing e Shanghai. E, a tendência não é boa. A cada dia que passa, menos lugares estão aceitando cartão de crédito. Chega a ser desesperador!
Desisti de passar o cartão após este ser recusado 4 vezes seguidas. Em metade das vezes, o atendente nem sabia o que fazer com o cartão – ele não sabia se era só para aproximar, ou passar ao lado da máquina, ou inserir na máquina. O rapaz inseriu, apareceu uma mensagem, coloquei a senha, mas deu algum erro bizarro, uma mensagem em chinês. Fiquei com medo de bloquear o cartão (ainda tinha hotel a pagar) e passei a usar só dinheiro. Procurei uma casa de câmbio e troquei dólares de reserva por um bolo de yuans. Pelo menos, eles aceitam dinheiro vivo (por enquanto).
Então, se não usam cartão, usam o que?
A resposta é simples. Usam WeChat. Ou AliPay. Ou alguma outra modalidade de pagamento via celular de mesma natureza.
Pelo que entendi, olhando as pessoas e conversando com o pessoal da Missão China StartSe, é o seguinte.
– O caixa registra as compras
– O comprador abre o WeChat (ou algum outro), e pelo celular gera um código QR
– O caixa escaneia o código QR
– Confirma e pronto, acabou.
Vídeo mostrando várias aplicações.
Eu tentei abrir uma conta de pagamento no WeChat, mas não consegui. É necessário ter conta em um banco chinês, de modo que um estrangeiro nunca vai conseguir usar tão facilmente.
Os chineses nunca chegaram a ter cartão de crédito. Eles pagavam tudo em dinheiro. Pularam a etapa do cartão de crédito e foram direto para a era do dinheiro pelo celular.
Segundo minhas fontes (nota sobre fontes*) esta tecnologia de transação por celular surgiu para preencher uma necessidade. No e-commerce, como o vendedor e o comprador vão poder confiar uns nos outros, se um dos dogmas daqui é desconfiar primeiro? A solução dada pelo Tao Bao (site de vendas, do grupo AliBaba) foi ele mesmo intermediar isto. O site recebe o pagamento do comprador, segura até o vendedor entregar, e só depois libera a verba.
Ora, mas se toda a transação já era eletrônica, não era necessário um banco, o próprio AliBaba poderia ser o banco. Daí, criaram o AliPay.
O WeChat é uma espécie de Whatsapp chinês, muito comum no Império do Meio. Também passaram a intermediar transações, concorrendo com o AliPay.
As taxas das transações por celular são baixíssimas. Os teraytes de dados de consumo gerados são fonte inestimável para Big Data. Toda esta informação possibilitou dezenas de outros produtos financeiros adicionais.
Tendo tantos dados, dá para calcular com acurácia o risco de calote, o que possibilita o empréstimo em segundos. São 3 segundos para cadastrar, 1 segundo para aprovar, e zero intervenção humana (frase esta conhecida pelo número 310).
Outro produto interessante. Como a carteira é 100% digital, é muito fácil uma pessoa emprestar dinheiro para outra. Ou fazer doações, digamos de centavos, a cada vez que a pessoa quiser recompensar um bom artista.
Hoje a China lidera de forma incontestável o ranking de transações on-line do mundo, com mais de 12 trilhões de dólares em transações on-line, contra menos de 1 trilhão nos EUA .
Todo este ecossistema só foi possível devido à infraestrutura de conexão e ao baixo custo dos aparelhos celulares – até mendigos estão aceitando esmolas em WeChat!
(https://www.ft.com/content/00585722-ef42-11e6-930f-061b01e23655)
Há dois pilares maiores que sustentam as transações por celular: conexão e smartphones.
Um dos pilares é a conexão com a internet, para realizar a transação. E há muita cobertura celular na China, até debaixo da terra, no metrô, pega celular, o governo chinês investe muito na infraestrutura.
Outro pilar é o baixo custo de smartphones. Na China, uma marca conceituada (digamos a Apple) vai ser cara, por conta de impostos. Mas uma marca chinesa vai ser barata, de modo que cada pessoa tem o seu smartphone.
Quanto aos bancos tradicionais. Pelo que deu para perceber, não é que os bancos vão morrer, até porque há diversos produtos financeiros diferentes da aplicação no varejo. O que pode acontecer é de eles terem suas margens reduzidas devido à esta competição. No Brasil, em que há um oligopólio de bancos e muitas barreiras à inovação, os bancos ainda vão reinar por um bom tempo…
Na China, quem sabe daqui a alguns anos, talvez nem o dinheiro vivo seja necessário. O resultado é este: o país com mais transações on-line do mundo. Ponto para o Império do Centro!
Nota: o NFC (tecnologia que permite comunicação através do contato) não pegou. Talvez por cada fabricante ter a sua especificação, o que pode causar incompatibilidade de hardware. Já o QR code é universal, tira uma foto e pronto.
*Sobre fontes utilizadas. A China divulga pouquíssimos dados oficiais. As informações aqui descritas foram com base em conversas com pessoas, portanto, não são totalmente confiáveis. Além disso, como a China muda muito rápido, provavelmente essas informações estarão obsoletas em poucos meses…
Links:
https://www.statista.com/statistics/226530/mobile-payment-transaction-volume-forecast/
https://www.ft.com/content/00585722-ef42-11e6-930f-061b01e23655
Hoje já é mais fácil ter o WeChat Pay. Não é necessário uma conta em banco chinês.
CurtirCurtir
Pois é, o ecossistema financeiro ali muda todo dia. Este post foi um retrato daquela época.
CurtirCurtir