O grande filósofo romano Lucius Sêneca, adepto da corrente de pensamento conhecida como estoicismo, disse: “Tudo na vida é emprestado”. A casa que achamos que é nossa, as posses que pensamos ter, até a família que achamos construir, tudo isso terá que ser devolvido, em algum momento.
Lembro-me de um soneto de William Shakespeare, que começava com “All the world is a stage”.
O mundo é um palco, e os homens e mulheres, meros atores, Eles têm suas saídas e entradas.
Algumas pessoas nascem como o rei. Todas as posses, regalias, poder de mandar na vida de outras pessoas.
Outras pessoas nascem como cavaleiros, vilões, alguns como magos, hobbits e elfos.
Outros como meros camponeses, desprovidos de tudo. Alguns outros, como o Bobo da Corte.
West Yorkshire Playhouse production of
KING LEAR
by William Shakespeare
directed by Ian Brown
Depois de encenarem a peça, os atores devolvem o personagem e voltam para casa.
Até o dia que começarem outra peça, onde o bobo da corte pode ser o rei, e o rei, o bobo da corte…
All the world’s a stage, And all the men and women merely players; They have their exits and their entrances, And one man in his time plays many parts, His acts being seven ages.
Quando se fala em histórias em quadrinhos, há algumas imagens que vêm à cabeça: super-heróis com roupas coloridas, ou a Turma da Mônica.
Entretanto, há a possibilidade de aprender temas tão distintos quanto Cálculo, Álgebra Linear, Química e Computação, com o apoio de quadrinhos.
A grande vantagem dos quadrinhos é que são totalmente visuais, o que facilita e muito a transmissão da informação. Se este poder de visualização puder ser aliado a um tema, como matemática, teríamos uma forma poderosa de entender o assunto.
O Guia Mangá
O guia mangá é uma ótima introdução a diversos assuntos interessantes.
Há dez temas diferentes, indo de Cálculo, Estatística e Álgebra Linear até Bioquímica e Biologia molecular, passando por Física e Teoria da Relatividade.
O enredo da história normalmente é de um aluno com dificuldades em aprender, que encontra algum professor que se propõe a ensinar o assunto (de sexos opostos, para dar um clima de romance), desde os passos mais básicos até alguns conceitos mais elaborados. Há um resumo teórico bem sério no final de cada capítulo.
Veja nas notas de rodapé alguns links.
The Cartoon Guide
Larry Gonick é uma espécie de cartunista-gênio: tem graduação em mais de uma faculdade, e aliado a seu interesse natural por desenhos, produziu obras extremamente bem humoradas e divertidas dos assuntos.
Eu particularmente gosto muito do Cartoon Guide to Genetics, me ensinou muitos conceitos que não estavam claros nas chatissimas aulas que tive do ensino médio.
Alguns destes livros foram traduzidos para o português, mas são poucos. O negócio é aperfeiçoar o inglês mesmo.
Não dá para aprender Cálculo profundamente com um guia desses, mas dá para ter uma boa noção dos conceitos envolvidos. Aprender os conceitos facilita muito o aprendizado mais profundo. Este é um dos problemas das escolas universitárias, muitas vezes nem conseguem passar o conceito principal direito…
Cartoon Introduction to Economics
Economia é um assunto que pouca gente entende, mas que na verdade tem suas raízes em conceitos comuns, compreensíveis para qualquer pessoa. À medida em que novos vocabulários vão sendo atribuídos e novos marcos de resultados vão sendo alcançados, a Economia passa a ficar mais distante do leigo comum.
O Cartoon Introduction explica algumas das ideias principais, atreladas a grandes economistas e história.
Além da edição sobre Micro-Economia, há uma sobre Macro-Economia. Há também outros dois Cartoons Introductions, sobre Mudanças climáticas e Psicologia.
Economix
O Economix também trata do assunto “Economia”, que é tão vasto e complexo que poderiam ter mais 100 livros deste tipo sobre o assunto. Este livro é mais denso, e tem várias referências à economistas famosos.
Dom João Carioca
E História? Não tem nada melhor que uma história em quadrinhos para contar uma história. A do desembarque da família imperial no Brasil, e os desdobramentos disto, são um ótimo exemplo.
Literatura brasileira em quadrinhos
A série Literatura brasileira em quadrinhos é uma introdução bastante interessante a diversos livros da nossa literatura. Há vários sobre Machado de Assis. Na minha época, todo ano indicavam 10 livros diferentes para ler na Fuvest. Óbvio que não dava para ler todos eles em um ano e ainda estudar todas as outras matérias, então fiquei com os resumos das aulas de literatura. Se tivesse este tipo de publicação na época, os resumos seriam de muito melhor qualidade.
Capitu traiu ou não Bentinho?
Relatos históricos
PyongYang é sobre a vida na Coreia do Norte, a partir da visão de um desenhista que morou lá por um tempo. Há fatos assustadores sobre o quão bizarro e prejudicial pode ser viver sob uma ditadura.
Uma vida chinesa é um relato de alguém que sofreu os efeitos nefastos do “Grande Salto para Frente” e da “Revolução Cultural” – fome, morte de parentes, fuga para outras cidades, miséria e dor. Foram dois dos episódios mais ilógicos da história da humanidade. É incrível que ainda existam pessoas que defendam o comunismo, mesmo diante de fatos históricos como este.
Shakespeare em mangá e em quadrinhos
Algumas das histórias mais famosas da humanidade, e alguns do vilões mais malvados que já existiram, vieram de Shakespeare. (Sabe o malvado tio de Simba, no filme Rei Leão? É Hamlet com leões ao invés de pessoas).
O maior de todos os contadores de história já teve seus trabalhos em teatros, livros, filmes, adaptações diversas. Com os quadrinhos não é diferente, há várias versões de suas obras em diversos formatos (quadrinhos, mangás, livros ilustrados).
Portanto, há uma ampla gama de trabalhos sobre diversos assuntos, aliando o conhecimento com diversão – unindo o útil ao agradável.
Ficam as dicas.
Links
Pode-se procurar em sua livraria favorita pelas palavras chave descritas acima. Mas segue uma pequena lista, para facilitar.
Sonhos têm fascinado os seres humanos de todas as formas possíveis.
Sandman
Existe uma série em quadrinhos chamada Sandman, de Neil Gaiman. Sandman é o senhor dos sonhos. As histórias são um misto de cultura geral e ideias alucinantes.
Há um capítulo em que Sandman observa uma conversa entre William Shakespeare e Christopher Marlowe, e oferece uma troca: Sandman libera a criatividade de Shakespeare, e este entrega duas peças para o senhor dos sonhos. A primeira destas peças é a comédia “Sonho de uma noite de verão”. A segunda peça é “A Tempestade”, apresentada no último capítulo de Sandman.
A seguir, algumas histórias curiosas e verdadeiras sobre sonhos.
Ramanujan
Srinivasa Ramanujan foi o típico gênio, no mais puro sentido da palavra. Nunca teve uma educação formal decente. Um dia, pegou um livro de Teoria dos Números e começou a ler. Como o livro só tinha proposições, sem provas, ele achou que a matemática era assim. E ele saiu escrevendo um monte de teoremas, sem provar nada. Algo meio intuição, meio razão.
A Teoria dos Números é um dos ramos mais puros e abstratos da matemática, também um dos mais difíceis.
Ramanujan dizia que recebia inspiração de uma deusa indiana, e que frequentemente estes teoremas surgiam de sonhos.
Exemplo mais famoso é a seguinte fórmula para definição de valor do Pi. Ramanujan sonhou com a fórmula, acordou e anotou num papel, sem provar se estava certa ou não. Esta é uma das fórmulas em que o valor do pi converge mais rapidamente.
A sua história inspirou o filme “Gênio Indomável”.
Fala sério, como é que alguém pode sonhar uma fórmula dessas?
Kekulé
August Kekulé foi um cientista químico que estava à procura da composição do benzeno. Ele já sabia que o benzeno tinha 6 átomos de carbono, mas nenhuma combinação dos 6 átomos parecia fazer sentido.
Um dia, ele sonhou com uma cobra engolindo a própria cauda. Foi o insight para propor a composição do benzeno como um ciclo fechado.
Esta sacada foi revolucionária, porque até então, não havia nenhuma evidência conhecida de compostos químicos num ciclo. Por exemplo, H2O, CO2, são lineares sem ciclos.
Yesterday
A canção mais regravada de todos os tempos é Yesterday, de Paul McCartney.
Esta música tem uma história bem legal. Paul sonhou com o ritmo da música, e gostou bastante.
Mas ele desconfiou que este insight fosse alguma lembrança remanescente de alguma outra canção.
Paul enviou o trecho da música para vários conhecidos, e perguntou se eles conheciam a canção. Mas ninguém a conhecia. Só depois disto ele gravou Yesterday, sem medo de estar plagiando alguém.
Conclusão
A teoria dos sonhos mais próxima de ser verdadeira é a de que Sandman, o senhor dos sonhos, assoprou areia nos olhos de Ramanujan, Kekulé e McCartney, libertando a criatividade destes e permitindo descobertas geniais.
No meio dos anos 90, a primeira aula que tive no primeiro colegial (ensino médio) foi de português. Foi com a Dona Candelária, que já tinha quase 70 anos. Ainda me lembro muito bem dela: uma velhinha, com cara de conservadora. Era rigorosa, meticulosa. E suas aulas eram uma sucessão de nomes: Aluísio Azevedo viveu em (não sei quando), escreveu (não lembro o que) e foi importante (por algum motivo que não entendi até hoje). Gil Vicente escreveu o Auto da Barca do Inferno, onde tinha um personagem X que dava um passeio de barco no inferno. Foram 3 anos assim, com a mesma professora, ensinando desde Camões até Vinícius de Moraes neste ritmo.
Bom, mais de 20 anos depois, posso dizer que a Dona Candelária cumpriu muito bem o objetivo que tinha em mente: fazer a gente decorar um monte de nomes e datas para passar no vestibular. E só.
A minha vida seria muito mais leve e as aulas muito mais interessantes se eu soubesse os seguintes truques.
Poemas e contos não foram feitos para serem decorados. Shakespeare não foi feito para ser lido da mesma forma que se lê uma equação matemática.
Shakespeare é teatro. As falas são pronunciadas por pessoas: homens, mulheres. Mocinhos, vilões. Casais apaixonados. Reis traídos e traidores que apunhalam pelas costas. Plebeus trabalhadores e bobos da corte. Cada um com a sua personalidade e seu objetivo.
Shakespeare foi feito para atores interpretarem, e para transmitir emoção ao espectador. Amor e ódio. Medo e esperança.
Ao ler Shakespeare, ou qualquer outra obra de literatura, deve-se: a) ler em voz alta, como se fosse o personagem, b) sentir a emoção, c) imaginar o cenário teatral
Não temas mais o calor do Sol,
Nem a raiva dos invernos furiosos.
Não temas a ira dos poderosos,
Nem os golpes dos tiranos…
É diferente de álgebra, onde quanto menos emoção, melhor. Quanto mais lógica, melhor. Ou não.
Sen^2(x) + Cos^2(x) = 1
(O seno era casado com a tangente, mas o filho nasceu como 1. O cosseno era o carteiro. Precisa de teste de DNA?)
A soma dos quadrados dos catetos é igual ao quadrado da hipotenusa (o capitão cateto quer matar o Rei hipotenusa, que está apaixonado pela bela cateto Cleópatra, num triângulo retângulo amoroso).
Por que citei Shakespeare? Porque é o autor de inúmeras obras de imensa qualidade, e também porque a D. Candelária me deixou traumatizado com literatura brasileira.
Epílogo.
Parafraseando o grande mestre Peter Drucker.
Alguém pode afirmar: mas é óbvio que poemas devem ser sentidos com emoção, e não decorados.
Réplica: mas, se é tão óbvio, porque todo o meu ensino médio foi uma sucessão de decorebas? Por que nunca ninguém tinha me ensinado isto? (Aprendi esses conceitos num curso do The Teaching Company, sobre como ler Shakespeare). Se é tão óbvio, porque milhares de outras escolas e professores continuam a inserir na cabeça dos alunos nomes, datas e decorebas, como se a cabeça destes fosse um banco de dados access? A cabeça humana é um banco de dados horrível. Mas a cabeça humana tem a capacidade inovadora de fazer as mais belas criações jamais vistas.
Henrique V é uma peça de teatro de Shakespeare, e conta a história do Rei Henrique V da Inglaterra na guerra dos 100 anos contra a França.
Antes de uma das batalhas decisivas desta guerra, a moral dos soldados estava baixa. Eles estavam com medo, por estarem em ampla desvantagem numérica contra os franceses. Neste discurso poderoso, “Eve of Saint Crispin’s Day”, Henrique V consegue reerguer a moral dos soldados e conduzi-los à vitória.
Há uma série de TV chamada “Band of Brothers”.
Este termo se popularizou por causa deste discurso: a parte em que ele diz que “somos punhado de irmãos, porque todos os que derramarem sangue neste dia serão meus irmãos”
Repare nos seguintes pontos:
– Henrique V convida a todos os que desejam ir embora a se retirar, sem penalidade alguma
– Quanto menos soldados forem, maior a glória repartida, neste dia de São Crispim
– Ele anda cumprimentando os soldados, e pedindo ajuda para subir no pedestal
– Ele cita os soldados pelo nome
– A entonação, modulação da voz de Henrique V dependendo do momento da fala
– Aqueles que derramarem o sangue na luta serão irmãos de sangue dele, do Rei da Inglaterra
Isto é um filme, e o Rei é um ator. Mas podemos fazer um exercício. Tente simular um discurso semelhante em voz alta, em casa, para convencer os soldados a oferecem suas vidas para lutar ao seu lado. Eu fiz uma simulação dessas, e ainda deixo muito a desejar como ator e orador…
Um amigo meu estava reclamando de um diretor: um cara todo importante, que parece ter o rei na barriga. Postura arrogante, nem cumprimenta as pessoas ao redor, quer sempre prioridade no que pede, maltrata os subordinados, etc…
Lembrei-me de uma sábia história. A vida é como uma peça de teatro, em que assumimos o papel que nos cabe dentro da peça. Um pode ser o Rei, outro pode ser o Cavaleiro, o Servente ou o Bobo da corte.
Depois que a peça acaba, deixamos de lado as nossas fantasias e voltamos a ser pessoas comuns: mortais, de carne e osso, que não podem levar nada da peça que acabaram.
Até começar uma outra peça, onde quem foi Rei pode ser o Bobo, quem foi o Cavaleiro pode ser o Servente, quem foi o Servente pode ser o Cavaleiro, e quem foi o Bobo pode ser o Rei…
Arnaldo Gunzi
Jul/2015
Bônus: Shakespeare escreveu alguns dos mais belos poemas da história. Não tem tanto haver com o escrito acima, mas não deixa de ser uma bela reflexão.
O mundo é um palco,
e os homens e mulheres, meros atores,
Eles têm suas saídas e entradas.
E um homem no seu tempo atua em vários papeis,
e seus atos são em 7 idades.
All the world’s a stage,
And all the men and women merely players;
They have their exits and their entrances,
And one man in his time plays many parts,
His acts being seven ages.