Um dos resultados mais interessantes da física quântica é o de a natureza ser probabilística por princípio.
Até meados dos anos 1900, a física clássica reinava absoluta. Parecia explicar todos os fenômenos possíveis que ocorriam ao nosso redor.
A física clássica é determinística por natureza. As Leis de Newton, num espaço e tempo absolutos, governavam os movimentos de todos os corpos.

Isso levou o matemático Pierre de Laplace a pensar num “computador” ou “demônio de Laplace”. Se eu souber a posição e velocidade de todos os átomos do universo e jogar neste computador, poderei utilizar as leis de Newton para calcular a posição futura de tudo: todos os corpos do universo, todas as colisões, explosões e interações entre partículas.

Mais ainda. As Leis de Newton são reversíveis. Não há nenhuma seta do tempo, dizendo o que é passado ou futuro. Se eu filmar uma bola de bilhar batendo em outra, e reproduzir o filme ao contrário, vou ter outra interação possível entre corpos.
Deste modo, o computador de Laplace poderia calcular todo o futuro, e todo o passado, a partir do tempo presente.
O cálculo tradicional de probabilidades apenas reflete a nossa ignorância. Num jogo de cara ou coroa, por exemplo, se soubéssemos exatamente as interações de cada átomo da moeda, do ar, e as forças aplicadas, poderíamos predizer com certeza o resultado cara ou coroa. Só não conseguimos porque não sabemos as variáveis.

Outra ideia é a do Eterno Retorno, do filósofo Friedrich Nietzsche. Se existe uma quantidade de átomos finita, eles podem se recombinar de maneira finita (embora o número de combinações seja estratosférico, mas finito). Num tempo infinito (e o infinito é muito, muito grande), um dia a configuração de todos os átomos do universo será exatamente igual à configuração de hoje. Jogando no computador de Laplace, todo o presente vai se repetir exatamente da mesma maneira, por incontáveis ciclos, pela eternidade…
Um pouco de cultura pop: a série Dark explora o Eterno Retorno, com uma história completamente insana de pessoas viajando para o futuro e para o passado, tendo filhos que serão os seus próprios pais, encontrando os seus “eus” antigos, em ciclos que se repetem infinitamente.

Para furar o ciclo do Eterno Retorno, o Princípio da Incerteza de Heisenberg.
Em meados de 1900, algumas rachaduras na física clássica levaram à física quântica, que é o modelo que melhor descreve o mundo desde então: o problema da radiação do corpo negro, o efeito fotoelétrico, entre outros.
O Princípio da Incerteza é um dos pilares deste novo conhecimento. Este diz que não é possível saber ao mesmo tempo a posição e a velocidade (momento) de uma partícula, com uma precisão menor do que uma constante (a constante de Planck). Se eu sei a posição, perco precisão no momento, e vice-versa.

Para medir uma partícula subatômica, é necessário jogar uma luz, um fóton sobre este. A energia do fóton muda a posição e momento da partícula, de modo que a observação muda o experimento.
Isso de o observador mudar o experimento dá margem à várias interpretações exotéricas exploradas em cursos de autoajuda e afins: a consciência altera a realidade, basta desejar que o universo se molda em conformidade, etc. Menos… Uma coisa é mudar um partícula subatômica, outra, o universo!

Apesar de Werner Heisenberg ser uma pessoa real, talvez ele seja mais conhecido hoje, na cultura pop, como o codinome de Walter White, da série Breaking Bad.

Pensando em elétrons nas camadas de um átomo, é como se fosse abelhas numa colmeia. Temos uma nuvem de probabilidades de encontrar uma determinada abelha ao redor da colmeia, porém não dá para dizer exatamente onde ela vai estar em dado momento.
Portanto, a natureza é probabilística. No menor nível de decisão possível, não vamos saber exatamente onde está o elétron, ou o fóton, ou qualquer outra partícula elementar. Este pode estar numa infinidade de lugares, vez por outra até atravessando barreiras de energia impossíveis de serem transpostas (que é o princípio do microscópio de tunelamento eletrônico).
Nem o computador de Laplace, com capacidade de computação infinita, conseguiria prever todo o futuro, pois há uma quantidade infinita de possibilidades.
Ao assumir a física quântica como pilar da ciência moderna, o Eterno Retorno fica sendo um conceito mais distante.

E se um dia ou uma noite um demônio se esgueirasse em tua mais solitária solidão e te dissesse: “Esta vida, assim como tu vives agora e como a viveste, terás de vivê-la ainda uma vez e ainda inúmeras vezes: e não haverá nela nada de novo, cada dor e cada prazer e cada pensamento e suspiro e tudo o que há de indivisivelmente pequeno e de grande em tua vida há de te retornar, e tudo na mesma ordem e sequência – e do mesmo modo esta aranha e este luar entre as árvores, e do mesmo modo este instante e eu próprio. A eterna ampulheta da existência será sempre virada outra vez – e tu com ela, poeirinha da poeira!
Nietzsche em Gaia a ciência
Veja também:
https://ideiasesquecidas.com/2019/08/23/mundo-bizarro/
https://ideiasesquecidas.com/2020/02/19/jogando-xadrez-com-deus/
https://ideiasesquecidas.com/2020/06/14/efeito-borboleta-a-roda-da-fortuna-e-as-moiras/
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