Por que um engenheiro brilhante trabalharia para a Coreia do Norte?

No último semestre do último ano da faculdade militar que fiz, um dos meus possíveis destinos era o Instituto de Aeronáutica e Espaço, na qual eu já tinha estagiado antes. É um instituto fantástico, onde eu teria acesso a quantidade gigantesca de material de pesquisa, juntamente com outras mentes de altíssimo nível. Por isso, eu queria muito ir ao IAE na época.

O detalhe era que o IAE desenvolve foguetes e lançadores. Bombas para explodir cidades e pessoas…

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Míssil Piranha, tecnologia do IAE

 

O final da história foi que o IAE não abriu vagas para o meu curso, então segui um caminho completamente diferente. Mas sempre fiquei com isso na cabeça. E se eu estivesse ajudando a fabricar armas de destruição em massa?

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O IAE é do bem. Faz veículos lançadores de satélite. E tem pessoas bastante íntegras em seu grupo. Mas, nem por isso deixa de pesquisar e desenvolver bombas.

 


 

Testes nucleares na Coreia do Norte

O famigerado estado da Coreia do Norte fez, nos últimos dias, um teste supostamente atômico no mar. É o quinto teste desde 2006, quando eles abandonaram tratativas de diálogo sobre o assunto.

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O problema é que cada teste vem performando melhor do que os anteriores, e está ficando perigoso. Este último teste atingiu um nível de destruição semelhante ao da bomba de Hiroshima, em 1945.

Uma das preocupações da comunidade internacional é a ogiva ser suficientemente pequena para caber num míssil, o que aumentaria consideravelmente o alcance dos norte-coreanos.

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Mas uma bomba não surge do nada, só porque um ditador louco quer. Para ter uma bomba, tem que ter pesquisadores brilhantes por trás disto. Engenheiros com alta capacidade de execução. Físicos que entendem as técnicas de enriquecimento radioativo. Empresas de precisão que produzem peças sofisticadas.

 

Esses físicos, engenheiros, matemáticos e administradores brilhantes têm plena consciência do que é o estado da Coreia do Norte? Se têm, mesmo assim dedicam seus esforços para ajudar?

 


 

Dilemas

Adolph Eichmann foi um dos piores nazistas da história. Era encarregado da “solução final do problema judaico na Alemanha nazista”.

 

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Adolph Eichmann

Entretanto, em seu julgamento em 1961, ele não demonstrava o menor ressentimento pela morte, direta ou indireta, de 5 milhões de judeus.

Em resumo, não me arrependo de nada.

Eu era apenas mais um cavalo puxando a carruagem, e não podia ir para a direita ou para a esquerda por causa da vontade do condutor da carroça.

Nós nos encontraremos novamente. Eu acredito em Deus. Obedeci às leis da guerra e fui fiel à minha bandeira.

A psicóloga Hannah Arendt testemunhou o julgamento. Descreve que Eichmann não parecia um monstro, mas uma pessoa comum, que a gente encontra tomando café na padaria.

Hannah citou “erros de percepção e julgamento” como possíveis causas de alguém aparentemente comum como Eichmann ser capaz de cometer tamanhas atrocidades.

 


 

Além do bem e do mal?

Obviamente, a minha opinião é que não somos cavalos sendo guiados. Temos vontade própria para contestar ordens. Podemos nos esconder em algum canto, fugir para outros países. Num caso extremo, podemos nos recusar a cumprir ordens – seríamos executados por isso, mas não cumpriríamos a mesma.

Mas, infelizmente, nada na vida é tão simples. Há vários graus de julgamento entre o bem e o mal, e talvez a nossa escolha seja o grau em que a nossa moral permite.

Eu trabalharia numa empresa que fabrica cigarros?

Seria advogado de alguém escandalosamente culpado?

Trabalharia numa empresa que recebe dinheiro público, normalmente mal empregado? (Só para constar, muitas das grandes empresas do Brasil recebem verba do BNDES)

Pagaria um guarda de trânsito que está solicitando um incentivo?

Deixaria de andar a 100 km/h quando o limite é 60 km/h e sei que não há radares?

Devolveria o troco recebido a mais por engano?

Deixaria de baixar filme pirateado? Música pirateada? Youtube com conteúdo pirateado? Software pirata?

 


 

Posfácio: Quem sou eu para criticar?

Após vários meses tentando criar a minha vaga no IAE, no final do ano de 2002 finalmente me chega a notícia de que o trabalho foi em vão: eu não iria ao IAE. Fiquei vários meses chateado, lamentando a bola que bateu na trave e foi para fora.

 

Agora, imagine que eu estivesse entrado no IAE, em 2003. E que mantivesse um desempenho fantástico, por 30 anos. E que em 2033, o Brasil tivesse um ditador comunista (algo que ainda pode acontecer, se depender do PT e partidos correlatos). E que este ditador comunista brasileiro, culpando os EUA de todos os males do mundo, resolvesse investir pesadamente num programa nuclear…

Será que eu jogaria fora 30 anos de conhecimento? Jogaria fora uma carreira inteira? Ou abracaria a causa, sendo mais uma engrenagem na grande máquina? Não sei, e graças ao rumo que a vida tomou, nunca terei que tomar tal decisão.

 

 

 

 

 

 

 

 

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