Hoje passei em frente a um prédio, na Rua Fagundes Dias, na Saúde – SP. Antigamente, era um prédio da Telesp.
Me lembro muito bem deste local, porque passei por uma experiência traumática nele, no começo dos anos 90. Este post é para as pessoas mais jovens, que não viveram esta época.
Telefonia nos anos 80
A Telesp (Telecomunicações de São Paulo) era a empresa estatal responsável pelas telecomunicações em SP.
Hoje em dia, qualquer um pode comprar quase de graça um número de celular pré-pago e sair falando. Mas nos anos 80 era extremamente caro e demorado ter uma linha telefônica convencional, de telefone fixo!
Era tão caro e tão raro, que a maioria das pessoas (inclusive os meus pais) alugava a linha telefônica. Era tão caro que as pessoas declaravam a posse da linha telefônica no imposto de renda.
Dando um chute comparativo, era como se uma linha de telefone fixo custasse R$ 20 mil. Assim como hoje tem gente que vive de aluguel de imóveis, nos anos 80 tinha gente que possuía dezenas de linhas telefônicas e vivia do aluguel de telefones.
E o gargalo não era só o preço. Mesmo se eu tivesse dinheiro para comprar, tinha que colocar o nome numa lista de espera e ficar anos esperando, para talvez ter a linha.
Para quem não tinha telefone, a alternativa eram os orelhões.
Já usei muito os orelhões, e sempre tinha umas fichas telefônicas no meu bolso.
Sorteio de linhas telefônicas
De tempos em tempos, a Telesp fazia um esforço para aumentar a quantidade de telefones na rede.
Teve uma vez no começo dos anos 90, que teve um tal de um sorteio de linhas telefônicas. Os interessados nesta promoção pegavam uma senha, a Telesp fazia o sorteio das senhas ganhadoras. Estes tinham o direito de comprar a linha telefônica com facilidades, furando a fila de anos de espera. Era algo assim. Não sei precisar exatamente o que foi, porque tinha uns 14 anos na época. Mas me lembro muito bem do que passei.
Os meus pais queriam aproveitar esta oportunidade, e a gente foi lá, pegar a tal senha para o sorteio de linhas telefônicas. Fomos ao prédio da R. Fagundes Dias. Havia uma fila quilométrica de pessoas. Nunca tinha visto tanta gente assim numa fila. Ela começava no prédio, e ia por vários quarteirões ali do bairro da Saúde. Talvez umas 5 mil pessoas. Sei que a gente foi andando para achar o final da fila e entrar nela, mas o final da fila não chegava nunca!
A minha mãe, impaciente como sempre, deu um jeito de furar a fila entre um quarteirão e outro. Entramos na fila, que andava bem rápido. Mas mesmo assim ficamos um bom tempo na fila, uma hora ou mais. Entramos no prédio da Telesp, e a única coisa que fizemos foi pegar um papel, que era a tal senha para o tal sorteio.
Obviamente, este trabalho todo foi em vão. Não fomos sorteados para obter o direito de comprar uma linha telefônica, e tivemos que esperar a privatização das telecomunicações para obter linhas telefônicas acessíveis financeiramente e de qualidade infinitamente superior ao que conhecíamos.
http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,a-verdade-sobre-as-privatizacoes-imp-,632392
Com a privatização das teles, o preço de aquisição caiu a zero. A linha já não era mais um recurso escasso. Com isso, eu me lembro que a gente passou a ter dois números de telefone fixo em casa, um que tínhamos comprado meses depois do sorteio de senhas descrito acima, e outra linha quando o custo de aquisição caiu a zero – talvez por trauma do passado, minha mãe resolveu ficar com duas linhas, vai que a linha se torna escassa de novo.
Também me lembro que até poucos anos atrás o meu pai ainda declarava no imposto de renda a linha telefônica adquirida com tanto esforço nos anos 90, mesmo que na prática o valor dela fosse nulo – trauma de uma época difícil.
Fica aqui o registro do que vivi na era da telefonia estatal, que espero nunca mais repetir.
Arnaldo Gunzi
Jan 2016
Obs. Quando a gente discava um número errado, inexistente, a mensagem automática que a gente ouvia era “Telesp informa: este número de telefone não existe, favor consultar o catálogo telefônico ou chamar o serviço de informações”.
Outro serviço dos anos 80 muito útil era a hora certa. A gente ligava “130” para saber as horas pelo relógio mais preciso de São Paulo.
Veja também:
Pingback: O índice X-Men de Inflação – Forgotten Lore