21 de abril, feriado de Tiradentes. Quando se fala em “Tiradentes”, tenho vagas recordações de aulas de história do primeiro grau, onde diziam que um cara que era dentista lutou e morreu pela independência do Brasil, algo assim. Outras palavras-chave eram “alferes”, “Joaquim José da Silva Xavier”, “Inconfidência mineira”, “Libertas quae sera tamen”.
Como as aulas eram extremamente chatas, não ficou nenhuma recordação mais relevante, só este apanhado de palavras-chave sem sentido, a imagem de alguém parecido com Cristo e a imagem de um triângulo vermelho.
Movido pelo meu desconhecimento completo da palavra “alferes”, resolvi fazer uma pesquisa no google e juntar uns quebra-cabeças.
“Alferes” é uma patente militar (que não existe hoje). Algo equivalente a um aspirante-a-oficial. É uma patente inferior a tenente, que é a menor posição de oficial. Ou seja, o Tiradentes estava um pouco acima da hierarquia de soldados, sargento, mas muito abaixo de coronel, capitão. Mas como é que um militar pode parecer Jesus, com barba longa, roupas de lençois, a forca ao invés da cruz?
“Inconfidência” quer dizer algo como “Não confiar”, traição. Traição em relação a Portugal. O objetivo dos inconfidentes era criar uma República independente de Portugal. E o alvo deles era apenas Minas Gerais, não o Brasil inteiro. Mas como é que um movimento vai se chamar inconfidência, e não “Revolução”, ou “Libertação”?
Outra contradição é que tem algum problema nas datas. A execução de Tiradentes na forca ocorreu em 21 de abril de 1792. O Brasil ainda era colônia de Portugal na época de Tiradentes. A independência do Brasil ocorreu em 1822. A proclamação da República ocorreu somente em 1889 – mais de cem anos depois da inconfidência mineira! Tiradentes pode até ter servido de inspiração para um ou outro, mas fora isto não contribuiu em nada para a proclamação da República. Como é que ele virou um símbolo, um mártir?
Nos meus ingênuos anos da quinta série, tinha entendido outra coisa: que Tiradentes tinha lutado pela independência do Brasil, que tinha sido executado e que tinha virado herói imediatamente.
Existem várias teorias de que a história foi outra. Tiradentes foi executado e esquecido pela população e por Portugal. Portugal deu o nome “inconfidência” para este movimento, porque era uma inconfidência em relação a eles. Depois da independência, os imperadores do Brasil foram D. Pedro I e II, que também não tinham nada haver ideologicamente com Tiradentes. Este somente virou herói após a Proclamação da República.
Após 1889, os republicanos precisavam de um herói, para ajudar a fazer a transição do Império para a República. Este herói não poderia ser o Marechal Deodoro da Fonseca, porque, afinal, ele não tinha morrido pela pátria. E também, era um marechal, algo muito antipático. Nem Floriano Peixoto, marechal também. Nem Rui Barbosa servia, porque era intelectual, muito acima da média. Tinha que ser alguém próximo do povo, que tinha dado a vida por um ideal. Assim, surgiu o herói Tiradentes. Era perfeito. Era alguém do povo (alferes, barbeiro e dentista), tinha um apelido simpático (“Tira”-“dentes”). Ele tinha lutado “sozinho” contra o malvado império Português inteiro, e morreu pelo Brasil num espalhafatoso ritual de enforcamento. Fizeram até ele ser parecido com Cristo para criar o herói brasileiro.
Sei que a falácia narrativa deu tão certo, que centenas de anos depois, as crianças perguntam na escola: o que é um “Tiradentes”? E as professoras respondem: “Naquela época, os dentistas amarravam o dente podre numa porta, com uma cordinha. Não tinha anestesia. E o Tiradentes fechava a porta com força, para arrancar o dente. Era assim que faziam a cirurgia”. Existe algo mais convincente e simpático para uma criança que uma história dessas?
Arnaldo Gunzi
Abril 2015
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