(Baseado numa conversa com o Marcos Melo e depois de anos estudando essas línguas)
As línguas japonesa e chinesa são famosas pelos complicados ideogramas utilizados.
Na China, são chamados Hanzi:

No Japão, são chamados Kanji.

Uma explicação para o surgimento desses ideogramas é que evoluíram da padronização de desenhos.
Digamos, este é o ideograma de rio:

Este é de montanha:

São formas que lembram vagamente o desenho dos substantivos em questão.

Ideogramas de montanha, rio, árvore e Sol, na ordem.
Entretanto, nem todos os ideogramas são assim tão fáceis.
As ideias mais abstratas são montadas sobre composições de ideogramas simples. Por exemplo, amor, é um desenho composto que não remete diretamente a um desenho de um coração.

O problema é que o número desses ideogramas é de enlouquecer. Na China, são uns 15 mil ideogramas, e no Japão, no mínimo uns 5 mil.
No ocidente, o alfabeto tem 26 letras. Faz uma diferença absurda. Em poucos meses, é possível alfabetizar uma pessoa no ocidente, já nos países citados, são necessários anos a fio decorando e utilizando os ideogramas.
A pergunta: é possível eliminar os ideogramas, utilizando apenas o alfabeto ocidental ou alguma alternativa simples?
Uma primeira resposta é que sim, há simplificações desses ideogramas hard.
Em japonês, há o hiragana e o katakana.

Em chinês, a versão soft é o pin yin, ou seja, utilizar o alfabeto ocidental para descrever o fonema.

Um dos problemas é que a versão soft, digamos 100% pin yin, causa infinita ambiguidade.
O chinês é muito compacto, com poucas palavras dizendo muito.
Ma pode significar mãe, cavalo, interrogação e mais uns 10 significados. A pronúncia diferencia alguns desses significados, porém, mesmo para a mesma pronúncia, há vários significados.
E é igual para vários outros hanzi. Tipo, shi, tem uns 20 hanzi para a mesma pronúncia.
Na linguagem falada, o ser humano dá um jeito de se entender. Na língua escrita, não.
Imagine que usar hanzi é uma visão em 3d do mundo. Quando você usa 100% pin yin, você vê apenas uma dimensão. Há perda de informação.
Ou você reestrutura a língua inteira ou utiliza hanzi. Seria catastrófico simplesmente abolir o hanzi.
O kanji segue a mesma lógica – os kanji dizem infinitamente mais do que os hiragana e katakana sozinhos.
Uma historinha. Quando eu era criança, vi em algum lugar a palavra “Shinobi”. Perguntei para o meu pai, fluente em japonês, o que significava “Shinobi”. Ele respondeu: “não sei, tem que olhar o kanji”. Eu não entendi nada, porque no alfabeto ocidental, toda a informação está contida dentro da própria palavra. A explicação foi dada acima: “shinobi” sozinho pode ter inúmeros significados.
Escrever em ossos e concisão da linguagem
Não dá para entender essa explicação pelos parâmetros ocidentais que temos. Temos que entender todo o contexto. Por exemplo, a língua é compacta exatamente por ser difícil de escrever.
Os hanzi são todos curtos, monossilábicos: shi, ma, er, yi, e assim por diante.

A civilização chinesa é antiga. Imagine escrever um hanzi num pedaço de osso, numa pedra ou num casco de tartaruga, por exemplo. A Arte da Guerra, de Sun Tzu, foi escrita em tiras de bambu, depois costuradas para formar um livro.

Portanto, não dava para ser prolixo. Um único caractere é difícil de escrever e tem que transmitir a maior quantidade de informação possível. Já na língua ocidental, como é barato escrever os caracteres, é mais barato escrever palavras como “interessantissimamente”.
(O Marcos Melo contesta essa versão. A língua falada vem antes da escrita, e é a escrita que se adapta. Talvez seja uma convergência dessas duas coisas.)
O caso do Japão é muito mais evidente. A linguagem oral veio desde a origem das pessoas, e os ideogramas foram copiados da China muito tempo depois (uns 500 dC). Por isso, cada kanji tem duas ou mais pronúncias: a pronúncia japonesa original, a pronúncia chinesa, e pronúncias alternativas – e o hiragana e katakana complementam tempos verbais, sufixos, etc…

Um exemplo. O kanji acima, de “carne de porco”, pode ser lido como “ton” (tonkatsu). Mas também pode ser lido como “buta” (porco).
Das digressões acima, o que realmente aconteceu de verdade não sei e provavelmente nunca saberemos.
Veja também:
https://ideiasesquecidas.com/2019/07/27/recomendacoes-de-livros-sobre-a-cultura-e-historia-da-china/
https://ideiasesquecidas.com/2015/10/31/os-japoneses-originais/
Eu acho muito interessante o caso da Coréia, cujo imperador decidiu criar(!) uma nova forma de escrita – o Hagul. A ideia era que fosse fácil de se aprender, de forma que a transição pra nova linguagem fosse rápida.
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Eu acho muito interessante o caso da Coréia, cujo imperador decidiu criar(!) uma nova forma de escrita – o Hagul. A ideia era que fosse fácil de se aprender, de forma que a transição pra nova linguagem fosse rápida.
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Sim, Pedro, perfeito. Eu sei que há essa história, porém, como não conheço a língua coreana, não me atrevi a escrever sobre.
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Siceramante, acho um grande equívoco achar que não dá para escrever em japonês sem os kanjis, eles já possuem o hiragana e o katakana e ainda precisam de um terceiro sistema de escrita para expressar a sua língua? Isso que é ser ineficiente! Ora, basta fazer com que o hiragana represente as principais classes gramaticais; substantivos, verbos, adjetivos, pronomes, etc, e os katakanas represetem partículas, onomatopeias, palavras estrangeiras e nomes próprios de pessoas e lugares, além de fazer uma devida separação entre as palavras, fácil.
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