O curso de datilografia

Quando eu tinha uns 14 anos, uns bons 30 anos atrás, minha mãe me matriculou num curso de datilografia. Datilografia é a ação de saber digitar numa máquina de escrever, daquelas bem antigas.

Os computadores pessoais estavam a uns 5 anos ainda a chegar. Ainda existiam máquinas de escrever, firmes e fortes.

Minha mãe sempre dizia que era uma habilidade boa de aprender, que ela tinha trabalhado de secretária, algo assim. Éramos de origem bastante humilde, dá para perceber.

O curso foi no Senac da Estação Conceição do metrô. Pela existência da oferta de curso, nota-se que ainda havia importância em máquinas de escrever.

No primeiro dia de aula, encontrei dois conhecidos meus, da mesma idade, que moravam ali pertinho – provavelmente minha mãe fez propaganda do curso para as amigas dela.

Só que esses dois tinham uma condição social bem melhor que a nossa. Contudo, tinham pouca vontade e disciplina. Apareceram só na primeira aula, e nunca mais.

Eu tinha que pegar um ônibus, lá de Santo Amaro até a Conceição. Dava uns 40 min. E o curso ocorreu por alguns meses, todos os sábados. E, todos os sábados, estava lá eu, datilografando.

No começo, aprender cada letrinha, com o dedo ótimo para tal: Q, W, E, R, T, mindinho para o Q, anelar para o W, etc. Depois, ir treinando combinações cada vez mais difíceis. Treinar as mãos para saber qual dedo utilizar de modo a digitar rapidamente.

Uma máquina de escrever não tinha tecla de voltar, como num computador. Escreveu errado, já era, tinha que usar o liquid paper (uma espécie de tinta), pintar de branco por cima e digitar de novo. Por isso, eram duas as métricas principais da datilografia: escrever rápido e escrever sem erros.

Fui em todas as aulas e concluí o curso. Acabei não usando o mesmo por alguns anos, porque as máquinas de escrever morreram nesse meio tempo.

Até a chegada dos computadores pessoais. Tem mais teclas, é um pouco diferente, mas o essencial é o mesmo: teclas QWERT.

Até hoje, vejo as pessoas “catando milho” na hora de digitar. Ou utilizando dedos errados, de forma sub-ótima. Se, em relação ao que aprenderia sozinho, eu ganhei 5% de eficiência ao digitar por conta de ter aprendido certo lá atrás, o curso já valeu a pena e muito, já se pagou faz tempo.

Não preciso dizer que, 30 anos depois, em muito superei os conhecidos que deixaram aquele curso lá atrás – não por conta deste curso, é claro, mas porque provavelmente eles abandonaram um segundo curso, um terceiro, a escola toda.

Mais ainda, queria destacar a importância da disciplina e da vontade. Não é porque um curso é chato, ou difícil no começo, que devemos abandoná-lo (ainda mais quando jovem). Não é também pela finalidade (não quero ser secretária, então não vou fazer), porque o mundo pode precisar da habilidade em outra forma (computadores pessoais). O mundo dá voltas, como diz o ditado popular. A gente nunca sabe o que vai ser realmente útil no futuro, e muito do que fazemos realmente não o será. Porém, aquilo que for útil, servirá para a vida toda.

Arnaldo Gunzi, Janeiro de 2024

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