A palestra de encerramento do Informs 2022 foi de Alvin Roth, professor da Harvard Business School e Prêmio Nobel de Economia 2012. Foi uma aula espetacular, com direito a um case extremamente interessante sobre transplante de rins, da qual faço um resumo aqui.
O tema de estudo de Roth é “Como criar regras para bons mercados?”. Ele estudou e ajudou a desenhar marketplaces diversos, em sua carreira.
Características a serem consideradas do mercado:
– Espessura
– Congestionamento
– Segurança
– Simplicidade
A espessura diz respeito ao número de participantes. O marketplace da Amazon, com milhares de vendedores e compradores, é muito mais interessante do que um marketplace de amigos da escola, que será muito menor.
O congestionamento diz respeito a diversos gargalos, seja tempo de transação, restrições diversas, que tornam o mercado ineficiente.
A segurança me lembra os primórdios do e-commerce, meados dos anos 2000. Poucos estavam acostumados com cartão de crédito. Além disso, quem garantiria que o comprador entregaria o produto, após o pagamento? O feedback com a reputação do vendedor, ou o marketplace garantindo devolução ajudaram a dar segurança aos participantes.
Simplicidade é o que o próprio nome sugere. Um mercado simples e direto é melhor a um mercado complicado.
Exemplo. No início, o trigo era negociado por cada comprador para cada vendedor. Uma revolução ocorreu quando houve a padronização de qualidades de trigo como commodity. Com isso, houve aumento da espessura do mercado (mais compradores poderiam comprar de mais vendedores o trigo da mesma qualidade), além de segurança (rating confiável de qualidade) e simplicidade (ao invés de combinações de compradores e vendedores, todo mundo no mesmo mercado).
Com o café etíope, algo similar. Após a implementação de teste cego de qualidade e commoditização, o mercado cresceu, melhorou em qualidade e simplicidade.
Mercado de rins
O “mercado” de rins não é um “mercado”, no conceito de troca de órgãos por dinheiro, até porque isso é ilegal e imoral na maior parte do mundo.
Há uma fila de 100 mil pessoas e 20 mil mortes por ano. É muito comum a pessoa que necessita de um rim ter um doador da família (a mãe, o pai, irmão). Porém, nem sempre o doador vai ser compatível com o paciente – tipo sanguíneo e outros testes analisam essa compatibilidade.
É possível fazer uma doação cruzada: o doador de um paciente ser compatível com outro paciente, e vice-versa.

Aqui, uma nota. Para uma doação cruzada, é necessário ter 4 salas cirúrgicas simultâneas (duas para retirar e duas para transplantar). Isso porque um atraso entre as cirurgias pode fazer um possível doador “mudar de ideia” nesse meio tempo, tornando a vida do outro paciente um pesadelo (além de continuar com o problema nos rins, perdeu o seu doador).
É aqui que entra a matemática. Que tal formar cadeias cada vez mais longas? Há um limite para tal, por conta da necessidade de salas simultâneas, mas teoricamente é possível.

Há doadores e receptores mais universais que outros, que são “fáceis” de encaixar e promover trocas. Há os mais difíceis também, de modo que é claramente um problema de matching, resolvível via programação inteira. É como ter um grafo direcional, com a função objetivo de formar a maior quantidade de conexões possíveis.

Nota: o próprio Roth citou que as técnicas e solver modernos facilitam muito a análise matemática. Na época em que o estudo começou, esse problema era um desafio bem maior do que é hoje.
Outro desafio é o acesso à informação. Hospitais são instituições privadas, que, a seu modo, concorrem por pacientes. É tentador fechar doações “fáceis” no próprio hospital, e deixar as “complicadas” para o pool nacional de doações.

Adicionalmente, há doadores externos. Como temos dois rins, é possível doar um e continuar a vida (só não pode beber muito). Esses doadores altruístas não precisam da doação de um rim, de modo que eles podem iniciar uma cadeia de doações. Antigamente, o rim dele era doado ao primeiro compatível da fila. Hoje, é doado a quem conseguir iniciar o gatilho da cadeia de cirurgias mais longa possível. Além disso, há o benefício adicional de que não é necessário ter operações simultâneas – é possível esperar um tempo entre cirurgias. Não há muito prejuízo se alguém “quebrar o link”, porque o paciente continua como antes, na fila, e com o seu doador intacto.
Roth cita que houve uma cadeia de 30 doações em 2012, o que não seria possível sem o seu trabalho.
Além do trabalho citado, há diversas outras questões. Por exemplo, expandir o banco de dados de países para troca de rins é bom, porque engrossa o mercado. Porém, o Irã permite a compra de órgãos por dinheiro. Quem garante que alguém rico o suficiente não compre um rim no Irã e inclua no pool americano para se beneficiar? São questões éticas que geram inúmeros debates.
Conclusões
O trabalho de Alvin Roth é um trabalho aplicado, muita mão na massa, para ajudar as pessoas de verdade – seja no caso dos rins, seja em outros mercados que ele ajudou a melhorar. Ele mostrou, nas palestras, fotos dele acompanhando cirurgias reais, a fim de dimensionar melhor a cadeia de trocas.
Para mim, é muito inspirador, no sentido de utilizar muita técnica, pesquisa operacional, e ter resultado prático direto na vida das pessoas.
Recomendação de livro: “Como funcionam os mercados”, de Alvin Roth.

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