O gaúcho Mário Quintana é conhecido como o poeta da simplicidade. São versos simples, diretos e bonitos.

Na única vez que fui a Porto Alegre, fiz questão de visitar a Casa de Cultura Mário Quintana. Um antigo hotel, onde ele viveu no final da vida – e sua vida foi como sua obra, muito simples: vivia em hotéis, atrasando pagamentos, sem luxo, sem nada.
O primeiro poema é especialmente interessante para os dias de hoje, sufocados estamos com a pandemia.
Emergência
Quem faz um poema abre uma janela.
Respira, tu que estás numa cela
abafada,
esse ar que entra por ela.
Por isso é que os poemas têm ritmo
para que possas profundamente respirar.
Quem faz um poema salva um afogado.
Poeminha do Contra
Todos esses que aí estão
Atravancando meu caminho,
Eles passarão…
Eu passarinho!
(Este é talvez o seu poema mais famoso)
Envelhecer
Antes todos os caminhos iam,
Agora, todos os caminhos vêm.
A casa é acolhedora, os livros, poucos.
Eu mesmo preparo o chá para os fantasmas.
I é letra de índio que muitos julgam iletrado,
mas índio é mais esperto
que muito doutor formado.
Cavalo de fogo
Mas a minha mais remota recordação
só muito tempo depois eu vim a saber que era um cometa
e precisamente o cometa de Halley
maravilhoso Cavalo Celestial
com a sua longa cauda vermelha atravessando, ondulante, de lado a lado,
bem sobre o meio do mundo,
a noite misteriosa do pátio…
Jamais esquecerei a sua aparição
porque
naquele tempo de espantos e encantos
o cometa de Halley não se contentava em parecer um cavalo, apenas:
o cometa de Halley era um cavalo!
(Veja aqui um relato do meu encontro com o cometa Halley https://ideiasesquecidas.com/2017/08/19/%e2%80%8bo-amante-halley/)
Poema da Gare de Astapovo
O velho Leon Tolstoi fugiu de casa aos oitenta anos
E foi morrer na gare de Astapovo!
Com certeza sentou-se a um velho banco,
Um desses velhos bancos lustrosos pelo uso
Que existem em todas as estaçõezinhas pobres do mundo
Contra uma parede nua…
Sentou-se …e sorriu amargamente
Pensando que
Em toda a sua vida
Apenas restava de seu a Gloria,
Esse irrisório chocalho cheio de guizos e fitinhas
Coloridas
Nas mãos esclerosadas de um caduco!
E então a Morte,
Ao vê-lo tão sozinho aquela hora
Na estação deserta,
Julgou que ele estivesse ali a sua espera,
Quando apenas sentara para descansar um pouco!
A morte chegou na sua antiga locomotiva
(Ela sempre chega pontualmente na hora incerta…)
Mas talvez não pensou em nada disso, o grande Velho,
E quem sabe se ate não morreu feliz: ele fugiu…
Ele fugiu de casa…
Ele fugiu de casa aos oitenta anos de idade…
Não são todos que realizam os velhos sonhos da infância!
Veja também:
https://poesiaspoemaseversos.com.br/mario-quintana-poemas/