O que faz de Star Wars um Star Wars?

Desde que me conheço como gente, referências a Star Wars sempre estiveram no ar: o temível Darth Vader, a música contagiante da marcha imperial, a Força, a ordem dos Jedi, a determinada Princesa Leia, o sábio e icônico Mestre Yoda, um homem cachorro esquisito chamado Chewbacca co-piloto do ator Harrison Ford numa espécie de disco voador chamado Milenium Falcon, Jabba, o Hutt…

O que faz de Star Wars um sucesso fenomenal? Quais as diferenças para um filme qualquer de ficção científica? Qual o segredo de seu sucesso?

Sendo uma das séries mais populares de todos os tempos, é natural que esta pergunta tenha sido feita e refeita ao longo das últimas décadas. Este artigo é um apanhado das ideias mais interessantes. E o meu interesse é na parte screenwriting da coisa, a fim de aperfeiçoar este talento.

Antes de qualquer coisa, Star Wars não é um filme, mas sim um tentativa deliberada de criar uma mitologia moderna.

Listo aqui as duas principais explicações, sendo que a primeira demandará maior tempo:

A. A jornada do herói adaptada aos tempos modernos
B. Grande conhecimento cinematográfico da equipe de criação


A. A jornada do herói adaptada aos tempos modernos

George Lucas, o criador da saga, teve enorme influência do autor Joseph Campbell, com o conceito conhecido hoje como “Jornada do Herói”. George Lucas era obcecado por este trabalho, e ele mesmo admitiu que Campbell foi o seu Yoda.

Campbell, um professor de literatura, estudou um grande número de histórias de mitologia ao redor do mundo. Na época em que ele escreveu o livro, teve grande influência do psicólogo Carl Jung.

Segundo a crença destes autores, havia uma espécie de padrão universal de comportamento, chamado de arquétipo. Por isso, todas as histórias da mitologia teriam alguma espécie de padrão, e foi isto que Campbell explicitou em seu livro, chamando o conceito de Monomito.

De modo geral, há três fases: a partida, a iniciação e o retorno. O herói começa a jornada em casa, sai para se aventurar no mundo exterior, encontrando aliados e inimigos, superando desafios de dificuldade crescente, e depois retorna ao lar, transformado e triunfante, fechando o ciclo.

A jornada do Herói de Campbell tem 17 etapas, mas listarei apenas 11 para simplificar o conceito. Tomo como referência o primeiro filme da série, Star Wars, de 1977. Este foi rebatizado décadas depois para Episódio IV – Uma nova esperança.

Capítulo I: A Partida

1 – O chamado da aventura:
Um garoto, Luke Skywalker, vive no planeta-deserto Tatooine. É um garoto diferente, que quer sair daquele lugar e explorar o universo, entretanto, o tio Owen precisa dele para cuidar da colheita.

O chamado da aventura vem quando ele encontra o robô R2D2, que está fugindo do Império com uma mensagem: “Help me, Obi-Wan Kenobi. You are my only hope”



2 – A recusa do chamado
Luke procura o velho Ben Kenobi, e inicialmente, ele recusa a se juntar à rebelião. Ele tem obrigações para com o tio. Além disso, ele era um simples camponês, como alguém assim poderia encarar o poder do Império?

O garoto fica sabendo através de Kenobi que o pai dele fora um mestre Jedi. Ao retornar à sua casa, Luke encontra o lugar em ruínas, e descobre que o Império assassinou seus tios.

3- O auxílio sobrenatural
O garoto aceita se tornar um Jedi, como o seu pai. Obi-Wan explica sobre a Força, entrega a ele o sabre de luz que fora de seu pai, e começa o treinamento para a próxima etapa da jornada.
Nota: o lendário Mestre Yoda aparece a partir do segundo filme. No primeiro, Obi-Wan é o seu mentor.

4 – A passagem pelo primeiro limiar
O primeiro teste para Luke é no espaçoporto Mos Eisley, onde Ben Kenobi recruta o auxílio de dois importantes aliados na jornada, o piloto Han Solo e o co-piloto Chewbacca.


No espaçoporto, há uma cena em que um hooligan com nariz de porco literalmente impede a passagem de Luke, querendo briga. Obi-Wan interfere, e eles atravessam este primeiro limiar, deixando Tatooine na icônica Milenium Falcon.

5 – O ventre da baleia
Os nossos heróis tinham como destino o planeta Alderaan. Mas, no momento em que eles a alcançariam, a Estrela da Morte destrói o planeta inteiro.

Após uma série de eventos, os nossos heróis acabam sugados para dentro da Estrela da Morte. Campbell chamou o estágio de “ventre da baleia”, e metaforicamente, eles acabam dentro do ventre da monstruosa construção capaz de destruir um planeta.

Capítulo II: A Iniciação

6 – O caminho de provas
Dentro da Estrela da Morte, eles enfrentam os stormtroopers e têm seus primeiros confrontos com Darth Vader.

7 – O encontro com a deusa
Luke e amigos resgatam a Princesa Leia de Darth Vader e se preparam para fugir a bordo da Milenium Falcon.

Um pouco antes da fuga, Luke presencia a morte de seu mentor, Obi-Wan Kenobi, pelas mãos de Darth Vader. Ele agora está maduro para seguir sozinho em sua jornada.

8 – A apoteose
Luke, Leia, Solo se juntam ao restante da rebelião, onde juntos enfrentam mais uma série de desafios. O plano é atacar o ponto fraco da Estrela da Morte, revelado no esquema arquivado no robô R2D2.

Nenhum dos outros aliados consegue sucesso neste ataque. As baixas são muitas, com o poderoso Darth Vader barrando todas as tentativas de ataque. A Estrela da Morte prepara o disparo final, que vai destruir para sempre a base rebelde…

Com o auxílio de todos os seus colegas, inclusive uma ajuda providencial de Han Solo, Luke consegue dar um único tiro certeiro no calcanhar-de-Aquiles da monstruosa construção, causando o colapso da mesma e salvando a causa rebelde da destruição total.

9 – A bênção última
Para Campbell, esta é uma espécie de Morte e Ressurreição. O herói morre de seu mundo atual, e renasce em seu novo mundo. Este momento é quando Luke, segundos antes de seu tiro final, abandona a medição dos instrumentos de sua nave e confia plenamente na Força, lembrando dos ensinamentos de seu mentor Ben Kenobi. Somente com a Força é possível cumprir a missão.

Capítulo III: O Retorno

10 – A passagem pelo limiar do retorno
Luke retorna à base rebelde, sendo recebido pelos seus amigos com festa.
Na obra de Campbell, há uma representação deste limiar, na forma de um elixir. No caso, o elixir é o próprio sucesso da missão.

11 – Senhor de dois mundos
Luke retorna como o Senhor de dois mundos, agora conhecendo a Força, sendo recebido com honrarias pela Princesa e aliados.

George Lucas escreveu e reescreveu o roteiro inúmeras vezes, pensando nos detalhes, na narrativa e construção de seu filme.


B. Grande conhecimento cinematográfico da equipe de criação

O segundo grande fator do sucesso é o grande conhecimento cinematográfico da equipe de criação.


A extrema imaginação na criação dos cenários e personagens. A Trilha sonora espetacular – não há quem não reconheça e não se deixe contagiar pelas mesmas. Por fim, os efeitos visuais e sonoros, sempre à frente de seu tempo.

Além disso, Lucas buscou uma série de fontes de inspiração.

De Akira Kurosawa, o filme “The hidden fortress” é narrado por dois personagens secundários, algo como o R2D2 e C3PO japoneses. Também se inspirou nos duelos de espada, e no ator favorito dos filmes de Kurosawa, Toshiro Mifune. O capacete de Darth Vader é baseado num capacete samurai.

Das cenas de Velho Oeste, como a do bar no espaçoporto.

Ele se inspirou também em Flash Gordon, que também era no espaço, com naves, tinha a sua bela e forte princesa, etc.

Os personagens são tão icônicos que até roubam a cena. Darth Vader é infinitamente mais memorável que Luke Skywalker. Han Solo, o anti-herói, paquerador e durão, idem. Nem se fala do Mestre Yoda, que virou sinônimo de sabedoria. Até personagens secundários com pouquíssima participação, como Boba Fett e Jabba o Hutt são cultuados pelos fãs.

Mas Star Wars é diferente de um filme sci-fi. O tom não é de um filme futurista, mas sim de uma mitologia.

Não é uma briga de robôs que pode ocorrer num futuro distante. É uma história que ocorreu há muito muito tempo atrás, numa galáxia muito distante.

Não é um briga de Skrulls x Krees num universo paralelo aleatório. É a resistência obstinada de um pequeno grupo rebelde, lutando contra o poderio imenso de um Império! É a Força versus o lado Negro da Força, algo místico, mágico, espiritual que pode estar na vida de todos nós!

Tentativa deliberada de criar uma mitologia moderna Star Wars é. Muito bem sucedida ele foi.


Para escrever este post, assisti (novamente) a trilogia original, a trilogia do Anakin Skiwalker e o primeiro filme da nova era, além de ler o Herói de mil faces do Joseph Campbell. Tarefas muito divertidas, diga-se de passagem.

E que a Força esteja com você!

Atualização. Hoje, Maio de 2020, todos os filmes do Star Wars (os 3 originais, os 3 da década de 2000, os três mais recentes) estão no Amazon Prime Video.

Links:

https://www.audible.com/pd/Screenwriting-101-Mastering-the-Art-of-Story-Audiobook/B0778Q1BHY?qid=1551523943&sr=1-1&ref=a_search_c3_lProduct_1_1&pf_rd_p=e81b7c27-6880-467a-b5a7-13cef5d729fe&pf_rd_r=GH85VXN6AA5SWNX0DZZ4&

http://www.bbc.com/culture/story/20160104-the-film-star-wars-stole-from

http://www.moongadget.com/origins/flash.html

https://www.shmoop.com/hero-with-a-thousand-faces/summary.html

https://en.wikipedia.org/wiki/Hero%27s_journey

What is the hero’s journey?

https://www.historyextra.com/period/modern/star-wars-why-did-the-film-make-history/

http://www.thecinessential.com/zachary/2018/4/5/the-hero-awakens-a-comparison-of-journeys-in-star-wars

How Deep Did George Lucas Go with the Hero’s Journey in Star Wars? — A Guest Blog by Tomas Pueyo

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