​Skin in the Game (Pele no Jogo), de Nassim Taleb

Nassim Taleb é a mente destoante dos tempos modernos, o Nietzche de Wall Street. Ele é daquelas pessoas polarizantes: ou você ama muito ou você odeia muito.

Ele é libanês, radicado nos Estados Unidos, tendo trabalhado como trader por muitos anos, e testado suas ideias sobre o que (não) conhecemos sobre risco. O novo livro de Nassim Taleb, Skin in the Game, segue na esteira das ideias do Cisne Negro e de Antifrágil.

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Está tudo interligado. Um Cisne Negro é um evento de baixa probabilidade e alto impacto, e a questão é que tal evento tem mais chance de acontecer do que os nossos modelos conseguem medir. O conceito de antifragilidade é que há organismos que ganham com a desordem, e conseguem sobreviver e até se beneficiar de cisnes negros.

Hoje em dia, com o mundo esta ficando cada vez mais complexo, o que significa Cisnes Negros cada vez maiores. E essa complexidade é ainda mais forte por haver tantas pessoas sem a pele no jogo: o burocrata que decide intervenção no Iraque, o político que entende somente as consequências de primeira ordem, as corporações que são “grandes demais para falhar” e usam dinheiro público para sobreviver. Se der tudo certo, ok, venci. Se der errado, grito “foi um cisne negro” e com isso justifico socializar as perdas.

Seguem algumas ideias, sem muita ordem.

Ter a pele no jogo obriga a pessoa a passar no teste do tempo, como na natureza.

Via negativa: normalmente não sabemos o que funciona, mas sabemos o que não funciona. Não dá para saber de antemão se algo vai funcionar ou não, mas dá para testar, e vamos saber o que não vai funcionar. O que não funciona é o que não passa no teste de sobrevivência, o teste do tempo.

Cicatrizes do mágico. Taleb viu um show em que o mágico usava um picador de gelo. Após o show, ele percebeu gotas de sangue caindo da mão do mágico: é um indício de que ele realmente se arriscou ao fazer o papel, de que não foi algo fake. O mágico passou a ter o respeito do autor.

Trump é Antifrágil. Os jornalistas o atacam por ele ser um empresário e ter tido prejuízo da ordem de milhões de reais. Ora, mas assim como no caso do mágico com cicatrizes, é exatamente por isso que ele é respeitado pelas pessoas comuns: ter a coragem de empreender (com o seu dinheiro, não dinheiro dos outros), falhar. Perder milhões é como mostrar as cicatrizes de ter empreendido no mundo real.

(Adendo: eu diria que Bolsonaro também é antifrágil. Quanto mais a imprensa e os adversários batem nele, mais os apoiadores o defendem).

A ordem em que as coisas acontecem conta muito. Um funcionário público que ficou rico é completamente diferente de um rico que virou funcionário público. O primeiro não teve a pele no jogo, e provavelmente se beneficiou do próprio sistema para tal. O segundo sobreviveu ao teste do tempo, que com todas as ressalvas é um bom indício, e só então foi ao serviço público.

Nunca atravesse um rio com profundidade média de 0,5 metro. Porque não é só a média que importa, mas também a variância. Um rio de 0,5 m de profundidade vai ter trechos muito mais profundos e outros bem rasos.

Sobre a “regra de prata”. A “regra de ouro” é algo como “faça aos outros somente o que você faria a si mesmo”. A “regra de prata” é a versão via negativa, mais robusta do que a primeira: “não faça aos outros o que você não faria a si mesmo”. É interessante porque realmente eu não sei o que o outro quer, mas certamente sei o que o outro não quer. Taleb aproveita para dar uma espetada no filósofo Immanuel Kant, dizendo que o seu imperativo categórico é complicadíssimo e não funciona na prática…

Jornalistas: ter o reconhecimento de jornalistas produz o oposto do que se espera. O ideal é ser ignorado, ou até mesmo odiado pelos jornalistas, aí sim é um indício de que o trabalho é bom e vai sobreviver ao teste do tempo.

O efeito Lindy. Surgiu numa cafeteria chamada Lindy, em que o pessoal da Broadway se reunia. Eles brincavam que, se uma peça já está há um mês em cartaz, ela vai durar mais um mês. A expectativa de vida é igual ao tempo já sobrevivido. E esta é uma heurística muito boa. Trabalhos clássicos dos filósofos gregos de 2 mil anos atrás vão durar muito mais do que um livro qualquer lançado hoje.

A academia virou uma competição atlética, em que o participante quer uma medalha – tendo ou não alguma utilidade prática. É um meio auto-contido, em que as referências cruzadas aos próprios trabalhos são a medida de sucesso. E uma dessas medalhas é o prêmio Nobel, que para Taleb, era melhor que não existisse, para que os pesquisadores se concentrassem em procurar soluções de verdade.

Sour grapes. Há relatos de que as pessoas, ao não conseguirem alcançar as uvas que estavam longe, imaginavam que as mesmas deveriam estar verdes. Isto inspirou o conto de Esopo, posteriormente.

A falha do Behavior Economics é modelar os tendências de comportamento de um indivíduo, sendo que isto não necessariamente vai se refletir no comportamento de um grupo de indivíduos. Taleb ataca com todas as letras Richard Thaler, que para piorar ganhou um prêmio Nobel. Mas, de forma não coerente, Taleb poupa Daniel Kahneman, o fundador da Economia comportamental, prêmio Nobel também, porém amigável às ideias do libanês.

Entre dois médicos, um todo almofadinha, com roupas caras, diplomas na parede, e outro desarrumado, gordo, barba por fazer, parecendo um açougueiro, sem diploma algum na parede, qual escolher? Para quem conhece Taleb, é claro que é o segundo, sem dúvida. Isto porque se o segundo apresenta todas as desvantagens citadas, e ainda assim está no mercado há um bom tempo, é porque este sobreviveu ao teste do tempo, e tem talento real. O primeiro pode ter aparência, mas terá competência real? A natureza não está ligando nem um pouco para a aparência física e sim para performance no mundo real.

A ditadura da minoria. Imagine um grupo de pessoas, onde uma delas não abre mão de ir para a praia, e os outros todos têm uma leve preferência a ir às montanhas. O grupo todo acaba indo para a praia, já que aquele único fulano não abre mão deste resultado. O mais intolerante vence, acaba levando o grupo todo junto.

Ser papa garante bons médicos. Quando o papa João Paulo II foi baleado, ele foi levado ao melhor hospital da região e tratado pelos melhores médicos. Ora, porque não levaram ele para uma capela, para rezar?

Já dizia Aristoteles, a inveja vem dos semelhantes, do mesmo grupo. Alguém muito pobre vai invejar o seu primo que tem um tênis novo, e não um multibiliardário como Bill Gates. É mais provável um socialista que come caviar na França falar de desigualdade social do que a classe trabalhadora, que quer mais é viver o dia-a-dia.

O intelectual idiota: são aqueles que aplaudem quando o povo vai na mesma linha deles, mas quando não entendem o resultado, dizem que é populismo. São os que não compreendem como alguém como Trump pode ter vencido as eleições. Tem um monte de intelectual idiota por aí.

Conclusão

Sinto ao ler Taleb o mesmo que ao ler Nietzsche: com um martelo, ele ataca as fundações de barro de todos os ídolos do mundo atual (os acadêmicos, os economistas, os jornalistas, os intelectuais idiotas), e os demole, um a um. Ele também prefere o êxtase de Dionísio (no caso um malandro das ruas chamado Tony Gordo, ou um médico açougueiro) ao mundo ordenado de Apolo (para Taleb, um matemático quantitativo com phD chamado Dr. John ou um médico almofadinha com diplomas na parede).

Fiel ao seu estilo, Taleb ataca tudo quanto é celebridade intelectual do nosso tempo. Steven Pinker, Richard Thaler, Thomas Piketty, Paul Krugman, usando sem parar a palavra “bullshit”. Ele também se envolveu em polêmica com Mary Beard, ao meu ver, de forma exagerada e injusta – mas este é o estilo dele, opiniões fortes, críticas e discussões.

Estes conflitos geram um monte de inimigos, mas esta é justamente a tática de Taleb. Ter a pele no jogo, ter o risco de ser processado. As pessoas gostam de líderes corajosos, que colocam a cara a tapa.

Melhor o livro ser avaliado de forma ótima por alguns e péssima por vários outros, do que todos darem uma nota média. Ele pratica a antifragilidade no mundo real.

A recomendação final é a de colocar a pele no jogo, empreender no mundo real.

Taleb é mais fácil de ler do que praticar. Porque praticar o que ele diz envolve esforço real, significa literalmente ter a pele no jogo, e muito poucos têm coragem para tal.

Leia também:

A teoria do Cisne Negro

O intelectual idiota

Um Cisne Negro paira sobre a China

https://ideiasesquecidas.com/2019/05/10/o-que-e-antifragil/

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3 comentários sobre “​Skin in the Game (Pele no Jogo), de Nassim Taleb

  1. Leonardo Eiji Koshimura

    Prezado autor, parabéns pela indicação desse livro. Fiquei interessado. Permita-me apenas apontar que a frase “Um Cisne Negro é um evento de ALTA probabilidade e BAIXO impacto” parece contrariar o sentido geral do texto. Não poderia ser “Um Cisne Negro é um evento de BAIXA probabilidade e ALTO impacto”?

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