Viajo frequentemente ao Paraná, a trabalho. É impressionante a riqueza do agronegócio na região: quilômetros sem fim de plantações de soja, milho, cana, à direita da estrada, à esquerda, ocupando cada metro quadrado útil da fértil terra roxa da região.
O mesmo ocorre no interior paulista e em muitos outros lugares do Brasil, com outras culturas e a pecuária.

Fico imaginando quantas pessoas seriam necessárias para fazer a colheita de uma área tão imensa, do jeito antigo: debaixo do sol, com um facão, cortando cada plantinha e transportando com a ajuda de animais.
Por outro lado, basta uma volta pelo centro de uma grande cidade como São Paulo, para encontrar uma dezena de pedintes e pessoas subempregadas. Dentro do metrô, um vendedor ambulante quer empurrar um suporte de celular, minutos depois, outro ambulante vende balas. Pessoas pedindo dinheiro nas ruas, um senhor pedindo verba para comprar remédios, outro com panos de prato no semáforo, um artista de rua tocando música e pedindo trocados.
A humanidade evoluiu exponencialmente. A agricultura surgiu há cerca de 10 mil anos, o que permitiu o surgimento de grandes sociedades, em detrimento dos caçadores-coletores. A força dos animais domésticos ajudou tremendamente nesta etapa. Grandes civilizações (como Egito, Mesopotâmia, China antiga), são conhecidas há uns 5 mil anos. A revolução industrial tem cerca de 200 anos, utilizando a energia do carvão e outros combustíveis fósseis. A eletricidade tem uns 100 anos, possibilitando o surgimento de eletrodomésticos e outros aparelhos úteis na nossa vida – alguns estimam que cada um de nós tem o equivalente a 100 escravos à nossa disposição. O computador pessoal tem uns 30 anos, fazendo com que o nosso próprio cérebro seja expandido.
À medida em que a evolução ocorreu, o trabalho foi migrando da agricultura para a indústria, e depois para os serviços. Não eram mais necessárias tantas pessoas para fazer a colheita. E nem para produzir guarda-chuvas em massa – economicamente, faz mais sentido serem produzidos em larga escala na China, e transportados para cá em enormes navios de carga.
Hoje em dia, nem os serviços são mais necessários – com a automação dos serviços, não precisamos mais de atendentes, telefonistas, vendedores de enciclopédias, corretores de seguros, bancas de jornais, jornais impressos, e, num futuro próximo, nem de motoristas de carro e de caminhões.

Para competir no mundo atual, é necessário saber mais do que os algoritmos, é preciso ser capaz de executar tarefas em alto nível, agregando muito valor na cadeia.
Esta situação cria uma nova classe de pessoas, que o escritor israelense Yuval Harari define como “a classe dos inúteis”. Ele escreveu um pouco sobre o tema nos livros “Sapiens” e “Homo Deus”, e no artigo que consta no link ao final deste artigo.
A classe dos inúteis não é somente de pessoas desempregadas, vai além disso: são pessoas não-empregáveis, sem as mínimas condições de serem mais produtivas que as máquinas e os algoritmos.
Harari coloca alguns cenários a respeito. Seriam pessoas sustentadas por alguma espécie de renda mínima universal, um super-bolsa-família. Ele também coloca uma data como referência, 2050, onde já teremos um desenvolvimento intensivo de IA.

O que fazer com alguém que fica o dia inteiro sem ter o que fazer? A frustração dela pode causar intensos problemas sociais. Ser desnecessário é muito, muito pior do que ser explorado.
Uma possível solução é algo equivalente a um jogo de realidade virtual. Ele cita a religião como um jogo desses, uma fuga da realidade. A pessoa ganha pontos se rezar todos os dias e cumprir todos os ritos (e estes devem ser difíceis, como jejuar, não comer porco, rezar várias vezes ao dia), se ela não conseguir ganhar pontos, fica para trás.
Não há regra alguma na natureza que diga que comer porco é ruim, ou que é necessário rezar. Aqueles que conseguem muitos pontos ganham o jogo e vão para a próxima fase, ou para o paraíso na vida seguinte…
Harari também cita o consumismo como um jogo desses. Aquele que tem o melhor carro, a melhor casa, posta um monte de fotos de viagem no Facebook, ganha mais pontos do que quem não o faz. Ganha o jogo, mesmo que o ser humano não precise tirar uma foto na Torre Eiffel para provar para os outros que é feliz.
Ocupar as pessoas com jogos inúteis parece terrível, mas é o que a humanidade tem feito há milhares de anos, conclui o pensador.
O antigo desenho dos Jetsons sempre tinha uma cena onde o pai, George Jetson, ia trabalhar. Ele simplesmente apertava um botão e descansava, o trabalho era moleza. Talvez essa seja outra solução, pagar as pessoas para ficarem o dia todo na empresa olhando as máquinas trabalharem!

Eu não sei o que será do futuro, nem se este será tão distópico quanto cita Harari, mas sei que a classe de inúteis já existe nos dias de hoje, infelizmente. E tende a piorar em um futuro não tão distante, com o desenvolvimento de algoritmos cada vez mais poderosos.
Trilha sonora: A gente somos inútil.
Links:
https://www.theguardian.com/technology/2017/may/08/virtual-reality-religion-robots-sapiens-book
NATHANAEL 10 10 👍🛩️
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