“Talking to strangers” é o novo livro do brilhante jornalista americano Malcolm Gladwell.
Ele levanta pontos perspicazes, instigantes e até questionáveis, da mesma forma que nos livros anteriores (Outliers, O ponto da virada, etc).
O tema do livro é que temos um modelo de comportamento esperado. Só que muita gente que não vai se comportar conforme o esperado, dada a circunstância ou cultura – é aí que mora o perigo.

Um exemplo é o da série Friends. Pediram para especialistas em comportamento avaliarem a série. Resultado: a linguagem corporal dos atores expressa emoções com 100% de aderência ao esperado.
Depois, pediram para os mesmos especialistas avaliarem expressões de um povo primitivo que vive nos confins do mundo: dessa vez, eles erraram feio. Por exemplo, tal povo fazia cliques para demonstrar surpresa, um comportamento muito diferente do nosso.
A evolução nos tornou muito bons em ler as outras pessoas. Entretanto, há aqueles que conseguem utilizar os mesmos sentidos para nos enganar.
Um exemplo é Jaime Maddox, um personagem carismático, altruísta da alta sociedade, que criou o maior esquema Ponzi (uma pirâmide financeira) da história.
Um case que acho bem interessante, é o de Hitler. A gente tem em mente um louco nazista, mas alguém apenas louco não teria chegado ao poder. Ele era alguém bastante persuasivo, influente. Tanto é que as principais lideranças britânicas, como Lord Halifax e Neville Chamberlain, se encontraram com Hitler mais de uma vez, e saíram plenamente convencidos de que a Alemanha não iria provocar uma guerra.
Já Winston Churchill nem tentou contato ou diplomacia com Hitler, porque sabia que poderia ser persuadido.
Gladwell também cita que algoritmos conseguem prever recorrência de crimes com mais precisão do que juízes, que fazem encontro olho-no-olho com os criminosos que estão prestes a liberar. A explicação é mais ou menos a mesma, algumas pessoas conseguem mentir com tanta convicção que enganam os nossos sentidos.
Ironicamente, manter distância e avaliar apenas dados é melhor do que a conversa cara-a-cara. Os olhos não são (sempre) o espelho da alma.
Outro caso é de uma espiã do regime de Fidel Castro. Ao invés do estereótipo de uma espiã extremamente sagaz e esperta, esta era o oposto. Alguém beirando a incompetência, e por isso mesmo, demorou muito e mesmo com enorme evidência, ninguém acreditou que ela fosse realmente uma espiã.
Uma tese é a de que primeiro confiamos, para depois desconfiar. As pessoas são inocentes, até prova em contrário, e isto torna muito difícil provar crimes, mesmo tendo toneladas de evidência (o livro apresenta alguns casos tenebrosos de crimes, incluindo um médico que abusava sutilmente das pacientes mesmo diante da presença dos pais).
Além das pessoas que usam os vieses a seu favor, há também o caso oposto. Os mismatches e misfits, que não se adequam à sociedade. O livro apresenta o caso de uma moça, bonita e jovem, acusada de crime. Ela teve comportamento totalmente incondizente com uma pessoa inocente e acabou condenada.
Ou o caso de Sandra Bland, uma mulher negra parada numa blitz policial. Houve um pouco de exagero do policial, forçando que ela cometesse uma infração leve (não dar sinal ao trocar de faixa), e parando-a. Ela teve uma reação desproporcional, o que fez com que a discussão escalasse. Sandra acabou presa, e se suicidou alguns dias depois… tudo isso porque não sabemos falar com estranhos.
Um último ponto, bastante intrigante, é a tese de acoplamento. A nossa noção básica é a de que, se o criminoso quiser cometer um crime, ele o fará. A tese diz que não, que o mundo não é tão preto e branco, há uma série enorme de fatores que podem influenciar. Não cometer um ato na hora e no local podem fazer com que a pessoa nunca mais o faça.
Para mim, lembrou muito o fantástico livro “O Estrangeiro”, de Albert Camus. Embora Gladwell não tenha citado Camus uma única vez, o ponto central é semelhante: alguém estranho, com comportamento diferente do esperado, pode não se adequar à nossa sociedade.
A conclusão: é melhor assumir que não sabemos falar com estranhos.
Acho muito difícil tanto para os humanos e mais ainda para os robôs (algoritmos) detectar os falsos positivos e, também, com maior dificuldade os falsos negativos. Na sociedade em que o padrão é a confiabilidade encontrar um ““falso” confiável é difícil e mais difícil ainda encontrar um “falso” não confiável. Erros do tipo I e do tipo II, em estatísticas. Acho que a combinação “olho no olho” e “algoritmo”, analisando as divergências, é a que reduz mais as chances de erros tipo I e tipo II. Mesmo assim, ainda existirão casos que enganam tanto os “algoritmos” quanto “olho no olho”, que aliás são “operadores dependentes”. Ou seja, há “algoritmos” e “algoritmos”, e “olhos de Moro” e “olhos de Gilmar”,
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Sim, da mesma forma que, conhecendo o ser humano é possível hackear e surgir os Maddofs da vida, quem conhece como funciona os algoritmos vai hackeá-los. Brechas sempre existem, falsos positivos e falsos negativos sempre existirão. E, infelizmente, “olhos de Gilmar” também sempre existirão, é lamentável.
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