A Matemática é a mais pura das ciências. “Pura” no sentido de que pode ser completamente abstrata, sem relação alguma com a realidade. Há ramos da matemática tão abstratos que é difícil sequer fazer uma analogia com o mundo real.
O russo Grigori Perelman (1966 – presente) é um homem solteiro, que vive com a mãe num apartamento infestado de baratas. Não tem emprego, fica a maior parte do tempo no pequeno apartamento (das baratas), usa as mesmas roupas, não corta os cabelos nem as unhas. Esta pessoa perturbada é um dos maiores gênios de nosso tempo.
Perelman resolveu um dos problemas mais difíceis de todos os tempos, a Conjectura de Poincaré. Esta conjectura foi proposta há 100 anos, por um matemático chamado Henry Poincaré. Tem haver com topologia, que é uma espécie de geometria elástica: não se importa com a posição absoluta dos pontos, mas sim em como os pontos se conectam. Eles podem ser torcidos, esticados, encolhidos, mas o que interessa são as propriedades que se mantém invariantes entre os pontos.

Não sei direito o que diz a Conjectura de Poincaré, mas sei que é difícil. Tão difícil que ninguém tinha conseguido resolver em 100 anos. Tão difícil que virou um dos Problemas do Milênio.
No ano 2000, o Instituto Clay escolheu 7 dos problemas mais impossíveis e importantes da Matemática: os Problemas do Milênio. O Instituto criou um prêmio de 1 milhão de dólares para cada um dos problemas. O objetivo do Instituto foi o de chamar a atenção para estes problemas importantes e estimular a produção de novas técnicas, ideias e soluções.
Pois bem, Grigori Perelman publicou uma série de papers, até resolver este problema do milênio em 2003. Após vários anos tendo a solução dissecada e analisada por todos os ângulos, finalmente a comunidade matemática aceitou que a mesma estava correta. Em 2010, o Instituto Clay declarou que Grigori Perelman resolvera oficialmente o problema, e o nomeou como o vencedor do prêmio de 1 milhão de dólares.
Só que Perelman recusou o prêmio. Disse “não” a 1 milhão de doletas.
Fama e Dinheiro
Perelman desde cedo apresentou grande aptidão com a Matemática. Ganhou uma série de prêmios e conseguiu uma posição acadêmica na Rússia. Mas logo abandonou esta posição, talvez por se sentir desajustado neste meio. Perelman é alguém desajustado no mundo real.
Como eu coloquei no primeiro parágrafo, a Matemática é abstração pura. Resolver um problema desses requer uma capacidade de abstração acima da abstração, uma cabeça fora do normal. É algo tão descolado da realidade que não se pode medir alguém como Perelman pelos padrões normais de fama, dinheiro, bens. Perelman tem a sua própria régua de medida. Conseguir o que ele conseguiu já é suficiente, pelo amor ao conhecimento, à Matemática.
A maioria dos acadêmicos briga por publicações, chegando a cometer atos no mínimo imorais, como colocar o nome na publicação de outras pessoas, fatiar publicações em várias partes para parecer que tem mais trabalhos, fazer citações cruzadas (eu cito o trabalho do meu amigo, e ele cita o meu). Isto tudo é cosmético, só encheção de linguiça, “Ciência salame”: http://sao-paulo.estadao.com.br/noticias/geral,darwin-e-a-pratica-da-salami-science-imp-,1026037. Há uma dependência grande de verbas do governo, o que faz com que política e ciência muitas vezes se misturem. Ciência não é quantidade, é qualidade.
O que Perelman faz é Ciência de verdade, e muitos dos acadêmicos, principalmente no Brasil, deveriam se inspirar nele.
Arnaldo Gunzi
Mai 2016
Alguns links de referência:
https://en.wikipedia.org/wiki/Millennium_Prize_Problems
https://en.wikipedia.org/wiki/Grigori_Perelman
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