O Rei Lear e Ran

Uma das obras imortais de Shakespeare que eu mais gosto é o Rei Lear. E gosto por uma razão simples: o Bobo da corte é um dos personagens principais!

O Rei Lear é o rei da Bretanha. Ele está envelhecendo, e resolve, ainda em vida, repartir o reino com suas três filhas. Para tal, pede que cada uma das filhas expresse o seu amor por ele. As duas primeiras rasgam elogios ao pai. Entretanto, a terceira, que era realmente bondosa de coração, não conseguiu mentir ao pai com tanta veemência quanto as outras, e acabou sem posse alguma.

As duas filhas mais velhas repartiram o reino, e não tardou para que vissem o seu pai, antes todo-poderoso, agora como um incômodo sem nada a acrescentar. O ex-rei Lear acabou expulso das casas de ambas as filhas. A única filha que tentou salvá-lo foi a terceira, aquela que tinha sido preterida na divisão de bens. Ele terminou enlouquecendo.

O Bobo é um excelente personagem porque, no meio de suas baboseiras, diz um monte de verdades.

Bobo: “Por que o caracol tem uma casca? Para guardar a cabeça lá dentro. Ou acha que é para dar às filhas e ficar com os cornos sem abrigo?”

Bobo: “O pardal que alimentou o cuco com o seu muco
Um dia teve a cabeça comida pelo cuco”

Lear: “Alguém é capaz de dizer quem sou?”
Bobo: “A sombra de Lear”

West Yorkshire Playhouse production of KING LEAR by William Shakespeare directed by Ian Brown

Lear: “Estás me chamando de bobo, Bobo?”
Bobo: “De outros títulos você abdicou, este é de nascença”

Bobo pegando um ovo e dizendo transformar em duas coroas:
“Eis aqui, duas cascas vazias, Depois que parti o ovo ao meio E comi o seu recheio”

Bobo: “Louco é quem confia na mansidão do lobo, na saúde do cavalo, no amor de um rapaz e nas juras de uma prostituta”

Bobo: “Valho mais do que tu, pelo menos sou um bobo, tu não és coisa nenhuma”

O Bobo é um bom personagem porque vai direto na ferida. Faz perguntas, questiona, e diz a verdade. Eu tento ser como o Bobo, sempre que possível.

Uma versão cinematográfica é o filme Ran, de Akira Kurosawa. Aliás, este foi o primeiro contato que tive com a obra. Uma diferença é que em Ran são três filhos, e não três filhas, e se passa na época do Japão feudal.

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