Há muito tempo, ouvi uma definição muito boa de Assertividade: “not nice, not nasty”. Em português, seria algo como “não seja bonzinho demais, não seja mau demais”…
Eu nunca tinha ouvido falar do termo “assertividade”, mas gostei do conceito.
Anos depois, estudando sobre Teoria dos Jogos, ficou evidente para mim que existia um link entre os conceitos. Vamos lá.
Teoria dos Jogos
A Teoria dos Jogos é um sub-ramo da Economia, que estuda Jogos: situações em que os resultados de um indivíduo dependem não apenas de suas próprias escolhas, mas também das escolhas de outros participantes.
O Dilema do Prisioneiro
O jogo mais simples e intrigante da teoria é o “Dilema do Prisioneiro”.
O cenário envolve dois prisioneiros que devem decidir, sem comunicação, entre cooperar (ficar em silêncio) ou trair (confessar e incriminar o outro):
- Se ambos cooperarem (ficarem em silêncio): recebem uma pena moderada.
- Se ambos traírem: ambos recebem uma pena maior.
- Se um trair e o outro cooperar: o traidor sai livre, e o cooperador recebe a pena máxima.
Do ponto de vista individual, trair é sempre a melhor opção: se o outro não falar nada saio livre; se o outro trair recebo uma pena alta, mas não a máxima.
Porém, do ponto de vista global, o ideal seria ambos cooperarem, porque é um cenário bom para todos.

O dilema está aí: do ponto de vista individual é bom trair, e do ponto de vista global, cooperar.
Na ausência de confiança entre partes, todos vão se trair e esta será a estratégia dominante.
Temos diversas situações em que estamos numa situação como a descrita. Por exemplo, quando temos um bem público, digamos um campo para pastagem liberado para todos os pastores da região. Individualmente é melhor usar o campo público o máximo possível, porque é de todos (e consequentemente, de ninguém). Ocorre que todos vão pensar igual, e o resultado será a degradação do bem público. É a situação da “tragédia dos comuns”.
Qual a melhor estratégia?
Qual a solução ótima? Há diversas teorias interessantes, mas destaco aqui um experimento, conduzido pelo cientista político Robert Axelrod.
Axelrod criou um torneio do Dilema do Prisioneiro iterado (repetido várias vezes). Ele convidou acadêmicos de diversas áreas para submeterem estratégias que seriam testadas umas contra as outras em um ambiente computacional.
Digamos, um algoritmo que só traia, outro que seja aleatório, outro que só coopere, ou alguma combinação possível entre todos eles.
Curiosamente, a estratégia vencedora foi o “Tit for Tat” (Olho por Olho):
- Comece cooperando
- Imite o último movimento do oponente (coopere se o outro cooperar; traia se o outro trair).
É uma estratégia extremamente simples. Algumas características interessantes da “Tit for Tat”:
- Sempre comece demonstrando boa vontade
- Coopere com quem cooperar
- Retalie se o outro trair
- Perdão rápido: se o traidor quiser cooperar, o faça rapidamente. De forma análoga, se quem coopera começa a trair, retalie
Note o link entre o “Tit-for-tat” e assertividade. Não seja bonzinho demais para levar pancadas e ainda cooperar. Não seja mau demais a ponto de sempre trair, e não perdoar. Seja assertivo.
Cooperação com muitas iterações
Um detalhe curioso do experimento de Axelrod é que os jogos ocorrem num ambiente repetido: os mesmos algoritmos jogam várias rodadas.
Se fosse em apenas uma rodada, a melhor estratégia seria trair.
Esta situação explica muita coisa na vida.
O comércio segue exatamente a lógica descrita. É um ambiente repetitivo, onde compradores e vendedores se encontrarão muitas vezes ao longo da vida, e, portanto, vale a pena ser honesto, sob o risco de não ter fornecedores depois de alguns golpes.
Uma sociedade com a grande maioria de pessoas honestas é a única forma de prosperar.
Imagine uma sociedade somente com malandros e golpistas: não existiria comércio algum, confiança zero, e, consequentemente, prosperidade zero.
Os malandros e golpistas precisam de uma quantidade muito maior de pessoas honestas para seus golpes funcionarem.
Corrida armamentista
A corrida armamentista é uma situação de desconfiança: a potência A tem armas nucleares, e a potência B, também. Se só uma delas se desarmar, ficará à mercê da outra, então ela tende a se armar mais ainda.
Porém, uma delas se armar vai levar a outra a aumentar a desconfiança, e se armar mais ainda, num ciclo infinito.

Por que a OPEP nunca dá certo?
A Organização dos Países Produtores de Petróleo é um oligopólio dos principais produtores de petróleo, a fim de controlar a produção, e, consequentemente, preços.
Porém, tem um problema: países demais. Tem por volta de 8 países, um número grande o suficiente para descoordenar decisões.
Digamos que todo mundo tenha baixado produção para subir preços, e, portanto, o preço esteja muito bom.
Vai ter um “espírito de porco” que vai ver aquilo e aumentar a produção, a fim de lucrar com isso, afundando o pacto.
Quando há muitos e não der para controlar, o resultado será equilíbrio de mercado.
Uma Mente Brilhante
Há um filme de Hollywood, o “Uma Mente Brilhante”, sobre John Nash, que trabalhou na Teoria dos Jogos e ganhou o Prêmio Nobel de Economia.
O único problema é que a cena que demonstra o insight para o “equilíbrio de Nash”, a grande ideia do matemático, não é um equilíbrio de Nash. Escrevi sobre aqui:
Como a Máfia resolve o Dilema do Prisioneiro?
Há uma cena num dos filmes do Poderoso Chefão em que há um delator, prestes a contar todos os podres da organização mafiosa. Porém, chega à audiência o Michael Corleone (Al Pacino), acompanhado de um senhor de idade. Eles apenas se sentam e ficam ali parados, sem falar nada. Daí, o delator muda radicalmente de opinião: diz que nada do que tinha falado era verdade, era tudo brincadeirinha, e que o Corleone era um homem de negócios sério.
Na verdade, o senhor da audiência era irmão do delator. E é assim que a máfia lida: o dilema do prisioneiro não é um jogo pontual, e sim, um que transcende a vida do elemento, envolvendo esposa, filhos, parentes.
Seja fiel à Máfia, e ela cuidará bem de seus entes queridos. Traia a Máfia, e seus entes queridos sofrerão as consequências.
Insigths práticos
Algumas dicas baseadas na teoria dos jogos que podem ser aplicadas na vida cotidiana:
- Coopere quando possível
- Pense no longo prazo: benefício imediato da traição pode ser prejudicial a longo prazo
- Retalie se necessário
- Perdão para quem coopera
- Identifique situações como o “dilema dos comuns” e crie mecanismos para evitar esse tipo de situação
- A reputação de honestidade gera benefícios a longo prazo
- Seja assertivo: not nice, not nasty!
