Um Cisne Negro paira sobre a China

O todo-poderoso império chinês foi apresentado em uma série de posts (vide aqui, aqui e aqui). Este último post fecha a série.
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A China é segunda maior economia do mundo, caminhando fortemente para ser a primeira. Um bilhão e meio de habitantes. País que mais cresceu nos últimos 30 anos, retirando da pobreza absoluta 500 milhões de pessoas e dobrando o PIB per capita. A China tem programas internacionais de bilhões de dólares, como o One Belt One Road e o Made In China 2025…. perfeito, não?

Não, não é perfeito. O colosso chinês é reluzente, porém tem rachaduras em suas fundações. É como um castelo magnífico, alto o suficiente para eclipsar todos os outros prédios: suas portas são da melhor madeira nobre, o mármore de seu piso é da mais alta qualidade, os detalhes são feitos de ouro e de pedras preciosas. Porém, tudo isto suportado por fundações mal executadas, erguidas às pressas e cheias de falhas estruturais.

Um Cisne Negro gigantesco paira no ar…

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Cisne Negro é um evento de baixa probabilidade e impacto enorme, como um terremoto, ou como a crise mundial de 2008. Para saber mais sobre o assunto, recomendo este link, ou este.


Motivo?

São vários motivos. Em poucas linhas:

O Estado chinês está presente em tudo, incluindo as empresas.
Apesar de privadas, a presença do Estado é muito forte. O Estado injeta uma quantidade absurda de dinheiro em suas campeãs nacionais.

Esta oferta de dinheiro abundante e barato faz com que os riscos sejam mascarados, e investimentos que nunca se pagariam tornem-se viáveis.
Isto também estimula a formação de mega empresas, que se tornam rapidamente too big to fail.

A pressa em investimento do governo nas últimas décadas levou à capacidades de produção assombrosas, sem maiores preocupações com a qualidade e a excelência técnica (atualmente estão correndo atrás do prejuízo, melhorando a técnica, diminuindo a capacidade, olhando para a poluição).

Efeito: A China produz, anualmente, 50% do aço do mundo! Sua produção é 10 vezes maior do que a dos EUA. Há assombrosos 150 milhões de toneladas de capacidade ociosa que eles querem cortar!

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Com relação ao cimento, mais da metade do cimento do mundo é produzido na China. Em três anos, a China consumiu mais cimento do que em 100 anos nos EUA!

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Há obras extravagantes e duplicadas. Um exemplo é uma réplica da Torre Eiffel e complexo residencial, construído em Hangzhou para 10 mil pessoas, mas que atualmente está esparsamente ocupada.

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Outro exemplo. A cidade de Wuhan planeja construir metrô, dois aeroportos, um novo distrito financeiro, um distrito cultural e uma torre comercial tão alta quanto o Empire State, a um custo de 120 bilhões de dólares…

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Capitalismo de Estado, empreendimentos megalomaníacos, lembram os malfadados investimentos de Eike Batista e suas empresas X: OGX, CCX, e outras, só para fazer uma analogia.

Obesidade: Fazendo uma analogia, imagine alguém que passou por subnutrição por toda a infância e adolescência. Na idade adulta, este enriqueceu, e agora pratica o exato oposto, a supernutrição, mesmo já obeso além da conta. Tanto a subnutrição quanto a supernutrição são nocivas a seu modo.

Shadow Banks
Para financiar tais empreendimentos, há os bancos oficiais, mas também há uma série de bancos que atuam de forma pouco transparente, os chamados “shadow banks”. Estes seguem poucas regras claras, o que permite que financiem  empreendimentos de retorno duvidoso.


O que fazer com tal capacidade ociosa?

O ciclo vicioso está em não deixar a economia desacelerar, por conta da ameaça de desemprego. Isto significa mais investimentos, já que o consumo interno não é suficiente. Coloco mais dinheiro em estradas, portos, ferrovias e cidades, para que estes possam produzir mais, e com isto tenho capacidade para produzir mais outras estradas, portos, ferrovias e cidades.

Porém, investir por investir não faz sentido, o investimento tem que valer a pena. Os retornos dos investimentos estão cada vez menores, o que é natural, porque as frutas mais acessíveis já foram colhidas: a primeira estrada tem muito mais valor do que a segunda estrada no mesmo lugar.

No fechar do dia, o investimento tem que se pagar. É como alguém que toma emprestado hoje com a promessa de um bom investimento, e quer pagar amanhã. Chega amanhã, toma outro empréstimo, e assim sucessivamente, uma bola de neve.

Faz pelo menos uns 10 anos que economistas vêm falando de uma crise na China, que nunca ocorreu. Aqui, cabe o problema do Peru, que ilustra a noção de que o passado não explica o futuro:

Um peru é alimentado por 999 dias consecutivos, e nada de mal lhe ocorreu até hoje. Ele está seguro e confiante de que o dono gosta dele. Porém, amanhã, o dia 1000, é o dia do Natal. Adivinha quem vai para o forno?

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Falando em Peru, quem vai pagar o pato?

O risco de crise bancária mundial é remoto, devido à elevada poupança interna chinesa, atualmente por volta de 40% do PIB. Outro fator é a impossibilidade de os poupadores chineses investirem suas economias em outros países.

Pelo motivo acima, dificilmente haverá uma crise internacional de grandes proporções.

Entretanto, causas geram consequências. É difícil imaginar que não haverá efeito algum, dado tamanho desbalanço de contas.

Provavelmente, quando o inevitável ajuste chegar, as famílias chinesas serão chamadas a cobrir o rombo. Provavelmente não haverá uma explosão, afetando o mundo todo, mas sim algo parecido com uma implosão, causando problemas internos.

Este processo pode ser bem conduzido, minimizando danos, ou não, ferindo ou não vários no caminho. Não é possível prever como será. Talvez um destino como o do Japão, saindo de um crescimento exponencial para duas décadas de economia patinando sem sair do lugar (mas mesmo assim, é a terceira economia do mundo).

O que sei é que ninguém gosta de ter a poupança de uma vida toda afetada por decisões de outrem. Isto pode causar distúrbios na Harmonia, que é um dos pilares de sustentação do país, causando problemas aos governantes chineses e em seu mandato dos céus.

O que leva à conclusão: não é nada fácil ser um chinês

Mas, pensando bem, também não é nada fácil ser brasileiro. A hiperinflação dos anos 80 foi um aspirador da poupança das famílias brasileiras, e por consequência, do futuro do país. O Plano Collor dos anos 90 foi mais direto e radical, prendeu a poupança das famílias nos bancos. (Vide o Índice X-Men de hiperinflação dos anos 80). Daqui para a frente, pós eleições, sabe-se lá o que virá…

E, outra coisa, não há para onde correr. O colosso americano também tem as suas rachaduras estruturais, assim como os europeus, japoneses, etc…

Conclusão final: Não dá para ganhar, não dá para empatar e não dá para sair do jogo. O negócio é deixar a vida te levar, um dia após o outro.


Fontes:

https://ideiasesquecidas.com/2019/05/10/o-que-e-antifragil/

Livro: Economia Chinesa, Roberto Dumas Dantas, editora Saint Paul

https://www.forbes.com/sites/niallmccarthy/2018/07/06/china-produces-more-cement-than-the-rest-of-the-world-combined-infographic/#1c7b11ef6881

https://www.nbcnews.com/news/photo/eiffel-tower-replica-looms-over-chinas-parisian-style-ghost-town-flna6C10833193

http://www.eiiff.com/savings/china/rates.html

https://qz.com/699979/how-chinas-overproduction-of-steel-is-damaging-companies-and-countries-around-the-world/

https://www.nytimes.com/2011/07/07/business/global/building-binge-by-chinas-cities-threatens-countrys-economic-boom.html

https://www.worldsteel.org/media-centre/press-releases/2018/World-crude-steel-output-increases-by-5.3–in-2017.html

https://www.nytimes.com/2016/02/23/world/asia/china-economy-overcapacity.html

http://www.chinadaily.com.cn/business/2014-08/04/content_18243657.htm

http://www.global-labour-university.org/fileadmin/GLU_conference_2016/papers/3A/Xingguo.pdf
http://www.eiiff.com/savings/china/rates.html
https://www.businessinsider.com/fake-chinese-buildings-that-look-like-the-world-famous-originals-2015-7#one-development-company-started-building-a-fake-paris-back-in-2007-in-hangzhou-in-the-zhejiang-province-complete-with-a-scaled-eiffel-tower-although-it-was-designed-for-10000-people-the-development-is-sparsely-populated-and-is-now-considered-a-ghost-town-according-to-reuters-6

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